Mauro Cid tentou vender por mais de R$ 600 mil joias dadas pela Arábia a Bolsonaro

Loja de Nova York ofertou em leilão conjunto da Chopard entregue a Bolsonaro em missão oficial

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Brasília

Uma caixa de joias dada ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pela Arábia Saudita foi colocada à venda por uma loja de artigos de luxo de Nova York, nos Estados Unidos, no começo deste ano.

Investigação da Polícia Federal indica que o tenente-coronel Mauro Cid, ex-chefe dos ajudantes de ordem de Bolsonaro, participou da tentativa de venda do conjunto com joias e relógio da grife Chopard.

Os itens aparecem como destaque no catálogo de Dia dos Namorados da Fortuna Auction, publicado em 30 de janeiro, com preço estimado de US$ 120 mil a US$ 140 mil, ou seja, de cerca de R$ 611 mil a R$ 713 mil, conforme a cotação da época. O leilão foi aberto no começo de fevereiro.

Anúncio mostra conjunto de joias da Chopard que havia sido doado a Bolsonaro
Anúncio da loja Fortuna Auction, de Nova York, para venda do conjunto de joias da Chopard doado pela Arábia Saudita ao ex-presidente Bolsonaro - Reprodução/ Fortuna Auction

O relógio Chopard L.U.C Tourbillon Qualité Fleurier é de uma edição limitada, com apenas 25 unidades produzidas. O certificado das joias ainda está entre os arquivos do email de Cid entregues a CPI do 8 de janeiro.

O conjunto de joias é descrito como propriedade de um "cavalheiro" pela loja e não chegou a ser vendido no leilão. A Folha revelou em março que Bolsonaro havia recebido a caixa da Chopard como presente da Arábia Saudita.

A PF fez uma operação de busca e apreensão nesta sexta-feira (11) dentro de investigação que apura se foram desviados "bens de alto valor" entregues por autoridades estrangeiras em missões oficiais a representantes de estado, "por meio da venda desses itens no exterior", segundo nota do órgão.

Trocas de mensagens obtidas na investigação da PF mostram que os assessores de Bolsonaro chegaram a avaliar se era possível ou não vender objetos doados por autoridades estrangeiras em missões oficiais.

"As mensagens revelam que, apesar das restrições, possivelmente, outros presentes recebidos pelo ex-Presidente JAIR BOLSONARO podem ter sido desviados e vendidos sem respeitar as restrições legais, ressaltando inclusive que ‘sumiu um que foi com a DONA MICHELLE’", afirma trecho da investigação.

Bolsonaro incorporou ao acervo privado mais de um conjunto de itens de luxo que haviam sido doados por autoridades estrangeiras.

O ex-presidente devolveu as joias após determinação do TCU (Tribunal de Contas da União). Para o tribunal, Bolsonaro só poderia ficar com presentes classificados como item personalíssimo e de baixo valor.

Para a PF, as mensagens de ex-assessores de Cid e outros assessores de Bolsonaro mostram que havia um "esquema de peculato" para desviar ao acervo privado do ex-presidente os presentes de alto valor dados por autoridades estrangeiras.

Neste mesmo esquema, os itens seriam vendidos para "enriquecimento ilícito" de Bolsonaro.

Além disso, Cid e Marcelo Câmara, outro assessor de Bolsonaro, "tinham plena ciência das restrições legais da venda dos bens no exterior", segundo a investigação.

A apuração da PF identificou que as joias foram levadas aos Estados Unidos no avião presidencial em 30 de dezembro, na data em que Bolsonaro deixou Brasília e seguiu para Orlando.

As mensagens mostram que Cid afirmou a Câmara que havia sido informado que Bolsonaro poderia vender os itens, por serem "personalíssimos".

Câmara disse ao ex-chefe dos ajudantes de Bolsonaro, em outra mensagem obtida pela PF, que seria preciso avisar o governo sobre a venda das joias.

No diálogo, Cid avalia a possibilidade de comunicar o governo e tentar novamente vender o item.

"Eu prefiro não informar pra não gerar estresse entendeu? Já que não conseguiu vender, a gente guarda. E aí depois tenta vender em uma próxima oportunidade", responde Câmara, segundo as mensagens obtidas pela PF.

"Só dá pena pq estamos falando de 120 mil dólares / Hahaaahaahah", afirma Cid em outra mensagem.

Segundo a investigação, Câmara concorda, mas diz a Cid: "O problema é depois justificar e para onde foi. De eu informar para a comissão da verdade. Rapidamente vai vazar".

Na decisão que autorizou a ação da PF desta sexta-feira (11), o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), afirma que a investigação indica "com robustez" que houve tentativa leiloar o conjunto da Chopard.

"Em razão da impossibilidade da venda, e diante de investigação iniciada no TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, além das notícias na imprensa, os bens foram recuperados por MAURO CESAR BARBOSA CID, em conjunto com MARCELO CAMARA e OSMAR CRIVELATTI, e devolvidos em 24/3/2023, na cidade de Brasília", afirma Moraes.

O pacote da Chopard, que inclui relógio, caneta, abotoaduras, anel e um tipo de rosário estava na bagagem de um integrante da comitiva do ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque que esteve na Arábia Saudita em outubro de 2021, como mostrou a Folha.

Já outros itens de luxo que estavam mochila de um auxiliar de Albuquerque foram apreendidos pela Receita Federal.

Quando o caso foi à tona, Bolsonaro disse, inicialmente, não ter pedido nem recebido qualquer tipo de presente em joias do governo da Arábia Saudita.

"Eu agora estou sendo crucificado no Brasil por um presente que não recebi. Vi em alguns jornais de forma maldosa dizendo que eu tentei trazer joias ilegais para o Brasil. Não existe isso."

As mensagens da PF mostram que auxiliares de Bolsonaro enviaram as joias ao Brasil após a divulgação da imprensa sobre os casos.

Osmar Crivelatti, outro ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, mandou uma imagem a Cid do pacote da Chopard em 4 de março, com a mensagem "chegou". O ex-chefe dos assessores de Bolsonaro respondeu: "Ufa".

Procurada, a defesa de Bolsonaro afirmou na noite desta sexta que o ex-presidente coloca sua movimentação bancária à disposição das autoridades e que ele "jamais apropriou-se ou desviou quaisquer bens públicos".

Em nota, o advogado de Cid, Bernardo Fenelon, disse que ainda não teve acesso aos autos da investigação que motivou a operação da PF. "Por esse motivo não temos como fazer qualquer comentário", afirmou.

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