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Decisão de Toffoli sobre Odebrecht lança dúvidas para escândalos de corrupção

Decisão monocrática de ministro do STF invalidou um dos maiores acordos de leniência por corrupção da história do país

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Gregory Michener

Professor da FGV-Ebape e fundador do Programa de Transparência Pública

Breno Cerqueira

Mestre em administração (EBAPE/FGV) e mestre em direito (UFMG)

Uma decisão monocrática do STF (Supremo Tribunal Federal) na última semana invalidou, quase 7 anos após sua homologação e por motivos processuais, as provas de um dos maiores acordos de leniência por corrupção da história do Brasil.

A anulação do caso Odebrecht remete a questões importantes acerca dos escândalos de corrupção em todo o mundo.

Primeiro, quão transparentes eles são? Segundo, o que acontece quando um país anula provas que permanecem válidas para outros países? E, terceiro, o que a experiência do Brasil nos diz sobre o equilíbrio entre os direitos privados e o interesse público?

Fachada da empreiteira Odebrecht à época da Operação Lava Jato - Eduardo Anizelli - 18.dez.2016/Folhapress

Em primeiro lugar, por que os fatos do caso Odebrecht se tornaram públicos e transparentes nos Estados Unidos e não no Brasil?

A transparência de casos de corrupção –crimes, investigação e acusação– é um fator crítico para garantir a responsabilização, a aplicação de sanções e a reparação institucional, assim como para comunicar aos cidadãos que o sistema de Justiça está funcionando de acordo com o interesse público.

No site do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, todos os acordos baseados no Foreign Corrupt Practices Act –a lei anticorrupção estadunidense– detalham os crimes sob investigação e estão transparentes e abertos para o escrutínio público.

No caso da Odebrecht, representantes da empresa assinaram depoimentos testemunhando o pagamento de US$ 788 milhões em propina a agentes públicos de 12 países, incluindo US$ 349 milhões pagos no Brasil.

Em contraste ao detalhamento dos fatos do Acordo 16-643 dos EUA com a Odebrecht, as autoridades brasileiras não cumpriram as garantias constitucionais de transparência reguladas por diversas leis.

O Ministério Público Federal não havia divulgado nada até que, após a recente decisão do STF, publicou as cláusulas legais do acordo. E, embora a CGU (Controladoria-Geral da União) dê transparência aos acordos de leniência, apenas são divulgadas as cláusulas gerais, sem nenhum detalhamento dos crimes e dos envolvidos.

Um estudo que analisou os dados da plataforma Fala.BR identificou que foram direcionados à CGU 53 pedidos de acesso aos detalhes dos acordos. Desse total, 28 foram negados com base em diferentes justificativas, principalmente fundamentadas no sigilo de "investigações em andamento".

Uma análise de conteúdo desses requerimentos também demonstrou que nenhum dos pedidos de acesso recebeu informações além daquelas que já haviam sido publicadas pela CGU em seu site.

A questão contrafactual, então, passa a ser: a decisão proferida pelo STF na semana passada teria sido possível se os detalhes sórdidos da corrupção estivessem permanentemente gravados nos registros oficiais e de domínio público?

Outra questão é: o que acontece agora? É improvável que os Estados Unidos se sensibilizem com a decisão do STF por vários motivos.

Por um lado, as normas dos EUA tendem a ser mais duras na aplicação da "doutrina dos frutos da árvore envenenada" –segundo a qual a prova obtida ilegalmente invalida as demais provas decorrentes dessa fonte– especialmente nos casos em que o interesse público tenha sido claramente prejudicado.

Por outro lado, a decisão da última semana é controversa, dado o contexto político na qual se insere. A decisão está perturbadoramente alinhada com os indicativos de vingança do presidente Lula.

Ela também determina a investigação de autoridades brasileiras –incluindo juízes, procuradores e outros agentes públicos que atuaram no caso da Odebrecht e de outras empresas– o que abre caminho para a criminalização do sistema de Justiça contra os "crimes de colarinho branco".

Por fim, de acordo com dados públicos disponíveis, a Odebrecht ainda não concluiu o cronograma de pagamento parcelado da multa de US$ 2,6 bilhões. O acordo dos EUA estabelece que o descumprimento de quaisquer de suas cláusulas pode desencadear novos processos contra a empresa.

Uma última questão é sobre como as autoridades brasileiras têm equilibrado os interesses público e privado. A transparência pública no Brasil tem sido ostensivamente sacrificada em prol da proteção de interesses privados –aqueles das elites econômica e política, implicadas em atos de corrupção.

Não há nenhuma dúvida de que o devido processo legal represente a mais relevante garantia constitucional aos cidadãos. Todavia a preservação de provas incontestáveis de corrupção pode ser alcançada sem que se invalide todo o caso.

A anulação integral das provas do caso Odebrecht é a anulação da própria Justiça e do interesse público.

*As opiniões de Gregory Michener são de caráter pessoal e não representam a posição da FGV

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