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Por que uma mulher negra no Supremo

Ter apenas uma mulher no STF será ruim para nós, mulheres e negras, mas igualmente ruim para a democracia brasileira

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Natalia Paiva

Sócia da Alandar Consultoria em Políticas Públicas, foi chefe do setor no Instagram, consultora da McKinsey & Company e diretora-executiva da Transparência Brasil

Na quase totalidade das notícias sobre as movimentações políticas em torno da próxima indicação do presidente Lula ao Supremo Tribunal Federal há algo em comum: homens brancos recomendando seus pares.

Homens brancos de esquerda ou do centrão, do Lago Sul ou do Largo de São Francisco, da Esplanada ou do Congresso indicando homens brancos ex-assessores, colegas, correligionários.

Ironicamente, no debate público a pecha de "identitarista" não cai sobre eles, mas sim sobre quem lembra que metade da população, em especial o grupo demográfico mais populoso (mulheres negras são 28%), não se vê refletida nesses bastidores —tampouco na corte que, com a saída de uma das duas únicas mulheres, vai ficar ainda mais masculina e branca.

Um grande telão no meio de prédios e pessoas circulando mostra uma menina negra
Telão na Times Square, em Nova York, exibe curta por ministra negra no STF - Divulgação

O fato é que o Brasil tem uma das piores representações femininas de Suprema Corte do mundo e, mesmo regionalmente, fica entre os mais atrasados, atrás de países como Chile, México e Uruguai.

Não por falta de talentos: comparado a outros países, o Brasil é um dos que têm maior proporção de mulheres em relação a homens com nível educacional mais alto, muitas liderando a excelência acadêmica no direito.

Esse cenário é um problema para o país porque um alto Judiciário inclusivo e diverso tem valor tanto intrínseco como extrínseco.

Ter mulheres, em especial mulheres negras, no STF é um bem intrínseco porque é direito fundamental de um grupo humano estar envolvido, ainda que via representação difusa, nas decisões que o afetam. Temas como descriminalização do aborto e das drogas afetam desproporcionalmente mulheres negras, grandes vítimas de abortos clandestinos e encarceramento por tráfico de pequeno porte.

Mas também tem muito valor extrínseco. Primeiro no processo decisório, com estudos mostrando que visões diversas, fundamentadas em diferentes origens e experiências, melhoram a tomada de decisão em grupo. Depois, estudos empíricos em diversos países apontam para a importância da diversidade para as percepções de legitimidade da corte.

Em "Reimagining the Judiciary", as autoras também mostram como pode ter impacto direto no acesso à Justiça. Em países tão díspares como Gana e Argentina, por exemplo, ministras da Suprema Corte criaram estruturas para abordar questões de violência de gênero no processo judicial.

Por fim, ter mais mulheres, em especial mulheres negras, na Suprema Corte provoca um círculo virtuoso de representação, abrindo caminho para outras magistradas.

Por que, mesmo assim, no Brasil o presidente ainda se sente à vontade para não apenas deixar de aumentar a presença feminina no STF como também efetivamente diminuí-la, com a saída de Rosa Weber e a possível indicação de um homem branco?

No artigo "Women’s Representation in the Highest Court", as autoras sugerem que a maneira como se seleciona juízes para a Suprema Corte é fator importante de pressão por diversidade. Há dois modelos: o que elas chamam de "coberto", quando a seleção se dá via comitê por exemplo, e "exposto", quando quem escolhe é um ator eleito pela população —e que, portanto, sofre escrutínio.

Esse segundo é o caso tanto dos EUA como do Brasil. Ainda durante a campanha presidencial, Joe Biden se comprometeu a nomear a primeira mulher negra para a Suprema Corte americana —e assim o fez em 2022, com Ketanji Brown Jackson.

Se no Brasil o presidente Lula e seu entorno não se sentem impelidos a ir na direção de semelhante passo histórico é porque não creem que diversidade de gênero e de raça seja visto como um valor tão forte a ponto de gerar penalização eleitoral —e, por princípio, não parece ser uma pauta que os move.

Sem homens poderosos cedendo privilégios e advogando por mulheres, e não por seus amigos, nenhuma mudança sistêmica ocorrerá. Pior: podemos ter retrocesso. A partir de outubro, a ministra Carmen Lúcia poderá ser a única mulher da corte —que, nesse caso, seguirá sem ter uma mulher negra decidindo sobre temas-chave para o país.

Isso é ruim para nós, mulheres e negras, mas igualmente ruim para a democracia brasileira.

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