Descrição de chapéu forças armadas

Exército tem software que Abin usou de forma ilegal para monitorar adversários de Bolsonaro

Ferramenta foi adquirida pela Força durante intervenção federal na segurança do Rio

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Brasília

O Exército Brasileiro também adquiriu o software apontado pela Polícia Federal como utilizado pela Abin (Agência Brasileira de Inteligência) para indicar a geolocalização de celulares de jornalistas, políticos e juízes. O uso ilegal teria ocorrido durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (2019-2022).

O presidente Jair Bolsonaro durante a solenidade, em abril de 2021, de passagem do cargo de comandante do Exército ao general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, atual ministro da Defesa - Marcos Corrêa-20.abr.21/Presidência da República

O software FirstMile é o centro da operação Última Milha, deflagrada pela PF nesta sexta (20) para prender dois oficias e afastar cinco dirigentes da Abin, entre eles Paulo Maurício Fortunato Pinto, atual 03 na hierarquia da agência.

Segundo a PF, a suspeita é que servidores da agência teriam usado o software de geolocalização para invadir "reiteradas vezes" a rede de telefonia e acessar os dados de localização dos alvos.

O Exército adquiriu a ferramenta durante a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro.

Com o orçamento turbinado, o Gabinete da Intervenção comprou o sistema da empresa Verint Systems, grupo israelense que tinha a fabricante da FirstMile sob seu domínio.

Com orçamento de R$ 1,2 bilhão, a intervenção federal pagou quase R$ 40 milhões para o grupo israelense que possui o software. Não se sabe, porém, se o valor foi gasto somente com a aquisição do FirstMile ou se outros sistemas estavam inclusos.

Apesar de a compra ter sido realizada no âmbito da intervenção, o software não foi utilizado somente para o combate ao crime organizado no Rio de Janeiro. Ele ficou sob a administração do Exército.

O Gabinete de Intervenção Federal no Rio de Janeiro confirmou à Folha que usou o dinheiro reservado à ação na capital fluminense para abastecer a Força Terrestre com equipamentos de inteligência.

"Nesse contexto, viaturas blindadas de uso militar e softwares de inteligência ficaram sob a propriedade das Forças Armadas, mas com a possibilidade de utilização em prol dos órgãos de segurança pública do Rio de Janeiro mediante necessidade e acordo com a União, caso fosse de interesse do Governo do Estado do Rio de Janeiro", disse em nota.

Procurado, o Exército afirmou que não irá se manifestar sobre o assunto. "O Centro de Comunicação Social do Exército informa que, em função de previsão legal (Lei n.º 12.527 de 18 de novembro de 2011, em seu artigo 23, incisos V e VIII) não poderá atender à solicitação apresentada."

Generais afirmaram à Folha, sob reserva, que o Centro de Inteligência do Exército utiliza softwares para reunir informações e repassá-las ao comandante da Força, general Tomás Paiva, para auxiliar na tomada de decisões.

Outras ferramentas do tipo também são utilizadas pelo Comando de Defesa Cibernética. Em 2021, por exemplo, o Exército comprou a ferramenta Cellebrite, que permite a extração de dados de telefones celulares.

Eles não souberam explicar, porém, como esses sistemas são utilizados no Exército nem esclarecem qual a finalidade da aquisição dos softwares.

No caso da Abin, a PF suspeita que o sistema secreto foi utilizado por servidores para monitorar alvos definidos pelo grupo investigado.

A PF identificou o uso do software 33 mil vezes. Desse total, 1.800 teriam como alvos políticos, jornalistas e adversários do governo Bolsonaro.

Além de buscas e prisões, o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou o afastamento de Paulo Maurício Fortunato Pinto, atual número 3 da Abin, e de outros quatro servidores.

A Abin divulgou nota em que afirma que os servidores na mira da PF foram afastados de forma cautelar e que o sistema secreto de monitoramento deixou de ser usado em maio de 2021.

A Abin adquiriu o software de monitoramento de localização de celulares em 2018, no fim da gestão de Michel Temer, por R$ 5,7 milhões e sem licitação. Na época, o GSI (Gabinete de Segurança Institucional) estava sob o comando do general Sérgio Etchegoyen.

A ferramenta chama-se FirstMile e permite rastrear os dados de GPS de qualquer pessoa pelos dados transferidos de seu celular para torres de telecomunicação.

O software israelense é vendido no Brasil pela empresa Cognyte. Um dos representantes da empresa é Caio Cesar dos Santos Cruz, filho do general da reserva e ex-ministro do governo Bolsonaro Santos Cruz. Ele foi alvo de buscas nesta sexta-feira e presta depoimento à Polícia Federal.

Esse sistema secreto foi usado por servidores da Abin nos três primeiros anos do governo Bolsonaro sem nenhum protocolo oficial ou autorização judicial para monitoramento dos alvos da agência, como revelou o jornal O Globo.

Segundo a investigação, os agentes de inteligência usaram a ferramenta para monitorar servidores públicos, políticos, jornalistas, advogados e juízes.

O software permite realizar consultas de até 10 mil celulares a cada 12 meses. Era possível, ainda, criar alertas em tempo real, para informar quando um dos alvos se movia para outros locais.

COMO É O PROGRAMA?

  • A ferramenta FirstMile permitia monitorar os passos de até 10 mil pessoas a cada 12 meses. Para iniciar o rastreio, bastava digitar o número de celular da pessoa.
  • O programa cria um histórico de deslocamentos e permite a criação de "alertas em tempo real" da movimentação de alvos em diferentes endereços.
  • O software foi comprado por R$ 5,7 milhões da israelense Cognyte, com dispensa de licitação, no final do governo Michel Temer (MDB). A ferramenta foi usada pelo governo Bolsonaro até meados de 2021.

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