Embate entre governo Lula e Congresso por emendas emperra pauta do Executivo

Senadores querem R$ 2 bi extras sob o argumento de que Fazenda se comprometeu com o dobro para deputados; governo nega

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Brasília

Um novo atrito entre líderes do Congresso Nacional e o Executivo tem atrapalhado a agenda do governo Lula (PT) no Legislativo.

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O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o ministro Fernando Haddad (Fazenda) - Gabriela Biló -23.mai.23/Folhapress

Senadores reivindicam do governo um adicional em emendas parlamentares no valor de R$ 2 bilhões, sob o argumento de que o ministro Fernando Haddad (Fazenda) teria se comprometido a destinar outros R$ 4 bilhões à Câmara dos Deputados.

O governo nega que tenha feito esse acordo bilionário com a Câmara e tem resistido à pressão para liberar o dinheiro. Sobre a reivindicação dos senadores, afirma não ter sido formalmente informado da demanda.

Responsáveis pela articulação política do governo chegaram a consultar Haddad sobre a existência desse acerto com a Câmara, que teria ocorrido na negociação do novo arcabouço fiscal.

Segundo relatos, o ministro da Fazenda nega ter selado o compromisso com os deputados. A Secretaria de Relações Institucionais, chefiada por Alexandre Padilha, diz que tampouco participou de qualquer negociação nesse sentido.

Emissários do governo argumentam também que não há de onde tirar recursos para atendimento dos pleitos, seja o do Senado ou o da Câmara.

Haddad já chegou a criticar publicamente o volume de recursos destinados ao atendimento de emendas de parlamentares. Em agosto, durante entrevista a Reinaldo Azevedo, afirmou que o país vive um parlamentarismo sem primeiro-ministro e questionou o comprometimento de 0,4% do PIB (Produto Interno Bruto) com emendas. "Onde no mundo tem isso?", indagou à época.

Essa queda de braço já teve reflexo na pauta do Legislativo, contribuindo para adiar a apreciação de vetos presidenciais no Congresso.

Parlamentares da oposição ameaçavam derrubar uma série de vetos importantes para o Executivo, entre eles os que tratam do novo arcabouço fiscal, do Carf e do marco temporal para demarcação de terras indígenas.

Deputados do centrão dizem que a derrubada de vetos era inevitável e que os parlamentares queriam dar um recado ao Executivo pela insatisfação com a demora da liberação de emendas. A bancada do PP, partido do presidente da Câmara, Arthur Lira (AL), deliberou em reunião por derrubar todos os vetos.

Diante do risco, a apreciação dos vetos pelo Congresso foi adiada para a sessão que deve ocorrer no próximo dia 23. Membros do governo, no entanto, minimizam a situação e afirmam que o pedido de adiar a apreciação dos vetos partiu dos próprios deputados.

Além disso, afirmam que parlamentares da base e da oposição enxergam que há espaço para diálogo sobre os temas e que, com a votação da Reforma Tributária no Senado, ainda não houve tempo hábil para reuniões entre os líderes.

Foi nesse ambiente de tensão no relacionamento entre Executivo e Legislativo que ocorreu a votação da Reforma Tributária no Senado, quando o governo obteve uma apertada vitória na quarta-feira (8). A proposta teve 53 votos a favor e 24 contrários, frustrando a expectativa do Planalto, que esperava receber o apoio de ao menos 55 senadores.

Além disso, o Executivo viu como um reflexo dessa disputa uma tentativa dos senadores em adiar a votação de um crédito de R$ 15,2 bilhões para estados e municípios.

O montante será destinado para compensar os entes federados pelas perdas causadas pela redução do ICMS sobre combustíveis e energia e para reparar perdas relativas aos fundos de participação dos estados e dos municípios.

Na avaliação de membros do governo, os senadores seguraram o envio da proposta para análise na CMO (Comissão Mista de Orçamento) como forma de pressionar o Executivo pela liberação das emendas. Com a falta de acordo, uma sessão da comissão teve que ser suspensa na terça (7).

A matéria é importante para o Planalto, enquanto municípios e estados reclamam da situação de penúria nas finanças. Após a pressão, senadores despacharam o projeto para a CMO e parlamentares aprovaram o crédito em sessão do Congresso desta quinta (9).

Aliados do presidente Lula, no entanto, avaliam que a questão não foi resolvida e que os senadores voltarão a impor dificuldades em outras pautas de interesse do Executivo até que o impasse sobre as emendas seja solucionado.

Essa disputa se dá num momento em que o governo corre para aprovar matérias consideradas prioritárias para o Ministério da Fazenda elevar a arrecadação federal.

O atrito com o Senado alimenta ainda uma queixa recorrente dos senadores de que o governo estaria dando tratamento preferencial aos deputados. O adicional de emendas serviria para atenuar esse desconforto.

Entenda em 3 pontos quanto cada congressista pode direcionar em emendas ao Orçamento

  • Em 2023, cada deputado teve R$ 32 milhões em emendas individuais. No caso de senadores, esse valor foi de R$ 59 milhões por parlamentar.
  • Os valores para 2024 ainda estão em discussão no Congresso, mas a proposta original é que esses valores subam para R$ 38 milhões e R$ 70 milhões, respectivamente.
  • Além das emendas individuais, os parlamentares também dividem entre si as emendas de bancadas estaduais (impositivas) e emendas extras (distribuídas e liberadas a critério do governo e da cúpula do Congresso), o que, em alguns casos, pode dobrar ou mais que dobrar esse valor.

Veja a cronologia das emendas parlamentares

Antes de 2015

  • A execução das emendas parlamentares era uma decisão política do governo, que poderia ignorar a destinação apresentada pelos congressistas.

2015

  • A emenda constitucional 86/2015 estabeleceu a execução obrigatória das emendas individuais, o chamado orçamento impositivo, com algumas regras.

2019

  • O Congresso ampliou o orçamento impositivo ao aprovar a emenda constitucional 100, que tornou obrigatórias também as emendas de bancadas estaduais.
  • O Congresso emplacou um valor expressivo para as emendas feitas pelo relator-geral do Orçamento, R$ 30 bilhões para o ano seguinte.
  • Jair Bolsonaro vetou a medida e o Congresso só não derrubou o veto mediante acordo que manteve R$ 20 bilhões nas mãos do relator-geral.
  • Bolsonaro também deu uma autonomia completa para a cúpula do Congresso decidir para onde todo esse montante seria destinado.

2020

  • Com o acordo de 2019, feito por Bolsonaro para manter uma base de apoio no Congresso, o valor destinado às emendas deu um salto e chegou a R$ 44 bilhões.

2022

  • O STF (Supremo Tribunal Federal) declarou inconstitucional a emenda de relator. A verba foi rebatizada e transferida ao orçamento dos ministérios, mas o governo Lula driblou a decisão e manteve o uso político dos recursos —há, em 2023, R$ 9,8 bilhões reservados para esse tipo de negociação.

2023

  • Cada deputado teve R$ 32 milhões em emendas individuais (senadores, R$ 59 milhões), valores que têm execução obrigatória e que em alguns casos podem mais que dobrar em decorrência das emendas de bancadas e das "emendas extras".
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