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Promotor pede investigação de jornalista da Folha que revelou áudio de equipe de Tarcísio

Fabiano Petean, do MPE-SP, cita suspeita de divulgação de fato inverídico; entidades de imprensa criticam iniciativa

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São Paulo

O promotor Fabiano Augusto Petean solicitou à Justiça Eleitoral investigação contra jornalista da Folha que revelou que a equipe do atual governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) mandou que um cinegrafista apagasse vídeo de um tiroteio ocorrido durante agenda de campanha em 2022.

No segundo turno da eleição, um profissional da Jovem Pan filmou troca de tiros envolvendo a polícia em Paraisópolis, na zona oeste de São Paulo, que acabou com um homem morto enquanto Tarcísio fazia campanha na favela.

Áudio publicado pela Folha na ocasião mostrou um integrante da equipe do atual governador afirmando ao cinegrafista: "Você tem que apagar".

O cinegrafista Marcos Andrade relatou à reportagem em outubro do ano passado que achou o pedido da segurança de Tarcísio "muito estranho" e que acabou não apagando as imagens gravadas.

O então candidato Tarcísio de Freitas durante tiroteio em Paraisópolis, durante agenda de campanha em 2022 - Reprodução GloboNews

Além do inquérito sobre o homicídio, o caso foi levado à Justiça Eleitoral para apurar se Tarcísio havia incorrido em artigo do Código Eleitoral que trata da divulgação, na campanha, de fatos inverídicos "capazes de exercer influência perante o eleitorado". Notícia de fato a respeito falava na suspeita de o tiroteio ter sido a simulação de um atentado contra o então candidato.

Agora, em documento assinado na segunda-feira (4), o promotor eleitoral requisitou o arquivamento dessa investigação em relação a Tarcísio. E, na mesma manifestação, pede a investigação dos jornalistas Artur Rodrigues, da Folha, e Joaquim de Carvalho, do site Brasil 247, sob suspeita de "feitura de matérias que contém conteúdo inverídico".

O promotor também fala na necessidade de interrogatórios com "diretores de reportagem que autorizaram a divulgação das matérias constantes dos autos".

Para chegar a essa conclusão, o promotor cita depoimento no inquérito do cinegrafista, que disse nunca ter afirmado que o tiroteio em Paraisópolis tinha sido "uma farsa da campanha eleitoral de Tarcísio". Ao contrário do que sugere o promotor, as reportagens publicadas pela Folha a respeito também não traziam essa afirmação.

O repórter e a Folha não foram notificados da medida.

Quem pediu que as imagens fossem apagadas foi Fabrício Cardoso de Paiva, que trabalha na Abin (Agência Brasileira de Inteligência). Em depoimento, ele disse conhecer Tarcísio há cerca de 30 anos e que, por estar licenciado e ser admirador do trabalho do candidato, participava do evento de campanha.

Na época, conforme testemunhas, Paiva agia como segurança e andava armado.

Após o tiroteio, a própria campanha de Tarcísio afirmou que "um integrante da equipe perguntou ao cinegrafista da Jovem Pan se ele havia filmado aqueles que estavam no local e se seria possível não enviar essa parte do vídeo para não expor as pessoas que estavam lá".

Naquela época, não houve nenhum questionamento ao teor das reportagens pelos envolvidos.

Tarcísio, em debate na TV dias depois do tiroteio, disse: "Ele [integrante da equipe] pediu o seguinte: 'apaga isso, apaga aquilo'. Sabe por quê? Preocupação com as pessoas".

Os pedidos do promotor eleitoral sobre os jornalistas agora vão para a análise do juiz responsável pela 1ª Zona Eleitoral do município de São Paulo. A investigação tramita sob responsabilidade da Polícia Federal.

Há um mês, o juiz eleitoral Antonio Maria Patiño Zorz deu o prazo de 90 dias para a continuidade das investigações.

Procurado, o Ministério Público de São Paulo afirmou apenas que o inquérito foi encaminhado à Justiça Eleitoral para decisão. A reportagem fez um pedido de entrevista com o promotor, mas não houve resposta até a publicação deste texto.

Entidades de jornalismo criticaram nesta terça (5) a iniciativa do promotor Fabiano Augusto Petean.

A Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) afirmou que o pedido da Promotoria "causa estranheza" e falou em "uma semana de seguidas derrotas para o jornalismo", mencionando decisão do Supremo Tribunal Federal que possibilita a punição de meios de comunicação por afirmações feitas por terceiros em entrevistas.

A Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) disse que a petição do Ministério Público "é absurda".

"Os operadores do sistema de Justiça —juízes, desembargadores e promotores— têm abusado do direito de ação contra veículos de mídia e profissionais, com o intuito de impedir a livre circulação das informações de interesse público", disse a presidente da entidade, Samira de Castro.

Marcelo Rech, presidente da ANJ (Associação Nacional de Jornais), disse que espera pela rejeição do pedido de inquérito o quanto antes.

"A ANJ manifesta sua estranheza em relação ao objeto da investigação e espera que ela seja encerrada o quanto antes, porque a liberdade de imprensa pressupõe exatamente isso: uma imprensa livre para noticiar fatos de interesse público."

O Sindicato dos Jornalistas no Estado de São Paulo também criticou a manifestação do promotor e se comprometeu a acompanhar o caso. Em nota publicada em conjunto com a Fenaj, disse receber com "extrema preocupação" a iniciativa e que não há "qualquer justificativa convincente" para uma investigação sobre os jornalistas.

O jornalista Joaquim de Carvalho, do site Brasil 247, também citado pelo promotor, diz que o relato do Ministério Público "tem equívocos e representa uma ameaça à liberdade de imprensa".

"Como fiscal da lei, o Ministério Público deveria exigir melhor apuração dos fatos e não pressionar jornalistas, com intimação que pode ser interpretada como constrangimento."

Procurado, o advogado Thiago Boverio, que defende Tarcísio de Freitas no inquérito e na esfera eleitoral, disse que "o pedido de investigação contra os jornalistas em questão é entendimento do Ministério Público Eleitoral, e não iniciativa da defesa do governador".

"O arquivamento do inquérito foi motivado pelo conjunto de provas colhidas, as quais demonstraram que o lamentável evento de Paraisópolis tratou de um evento policial, sem qualquer conotação política ou eleitoral."

A investigação criminal sobre o tiroteio na favela em 2022 foi concluída sem a localização da arma que, supostamente, estava em poder do homem que foi morto no confronto. O inquérito concluiu que o suspeito Felipe da Silva Lima foi morto por um tiro de fuzil disparado pelo tenente Ronald Quintino Camacho.

O caso foi registrado como homicídio decorrente de oposição a intervenção policial. Segundo a polícia, ao menos oito armas foram usadas para disparar contra os policiais.

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