Descrição de chapéu Governo Lula

Agenda de Lula tem 86% de reuniões com ministros e 14% com ministras

Discrepância expõe relevância política das pastas; igualdade de gênero é central, diz governo

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São Paulo

Ao fim do primeiro ano de governo, a agenda do presidente Lula (PT) com integrantes de seu gabinete registra 86% de reuniões com ministros homens e 14% com ministras.

Símbolo da discrepância na relevância política das pastas ocupadas por homens e mulheres, a proporção é ainda mais desequilibrada do que a da composição da Esplanada.

Após demitir duas titulares de pastas para acomodar aliados do centrão, o governo Lula terminou o ano de 2023 com 9 mulheres a frente de ministérios —24% do total de 38.

Lula posa com as ministras de seu governo no desfile do Sete de Setembro - Pedro Ladeira - 7.set.2023/Folhapress

Procurada, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência afirma que "não há qualquer relação entre o número de reuniões individuais realizadas pelo presidente Lula com as ministras mulheres e a importância dada pela atuação gestão à promoção da igualdade de gênero" (veja mais abaixo).

A agenda oficial do presidente registra principalmente reuniões no Palácio do Planalto e alguns eventos dos quais o petista participou ao lado de seus auxiliares, como no lançamento de programas.

O levantamento da Folha considera o período de janeiro a dezembro de 2023.

Todos os dez ministros com quem Lula mais se reuniu são homens. Encabeçam a lista Alexandre Padilha (Relações Institucionais), com 103 encontros, Rui Costa (Casa Civil), com 78, Paulo Pimenta (Secom), com 70, e Fernando Haddad (Fazenda), com 63.

Já entre as mulheres, as ministras com quem Lula mais se reuniu foram Esther Dweck (Gestão), com 22 encontros, Nísia Trindade (Saúde), com 20, e Simone Tebet (Planejamento), com 16.

No fim da lista, está Luciana Santos, ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, com quem o petista teve apenas dois encontros registrados na agenda —mais apenas do que com o general Gonçalves Dias, que deixou o governo em menos de quatro meses, e Silvio Costa, que entrou no governo em setembro.

De forma geral, tanto entre homens como entre mulheres, ministros de pautas mais caras à esquerda do que a outros espectros políticos estão entre os que tiveram menos encontros com o presidente, como Sonia Guajajara (Povos Indígenas), Silvio Almeida (Direitos Humanos), Cida Gonçalves (Mulheres) e Anielle Franco (Igualdade Racial).

À frente de uma pasta que está no centro da agenda internacional de Lula, a de Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva também está entre os integrantes da equipe de Lula com menor número de encontros na agenda com o presidente —apenas oito.

Os ministérios com titulares mais frequentes no gabinete presidencial refletem tanto as escolhas na composição do governo como os desafios do petista no seu terceiro mandato.

Com a esquerda em minoria e um Congresso mais poderoso do que em suas gestões anteriores, Lula buscou ao longo do ano ampliar sua base de apoio em negociações com partidos do centrão.

Após uma vitória apertada na eleição de 2022 e diante de uma direita que domina as redes sociais, a comunicação também teve papel central.

Não por acaso, muitos dos dias de expediente de Lula começaram com reuniões conjuntas com Padilha e Pimenta.

Evitando desgaste com eleitores conservadores, o presidente também deixou em segundo plano pautas de minorias e centrou esforços na aprovação do programa econômico de Haddad.

Professora da UnB (Universidade de Brasília), a cientista política Flávia Biroli avalia que há tanto fatores internos ao PT como externos que explicam a sub-representatividade das mulheres no governo Lula, embora tenha havido avanços em relação à gestão de Jair Bolsonaro (PL).

Entre os partidos do centrão que integram a coalizão governista, afirma, indicações têm grande relação com a dinâmica da política regional.

Ao favorecer nomes fortes em seus redutos, as siglas de direita tendem a indicar pessoas que já estão no poder, geralmente homens.

Segundo Biroli, o PT, por sua vez, tem uma maior relação com movimentos da sociedade civil, que acabam funcionando como uma porta de entrada para mulheres no partido.

Ela aponta, no entanto, que a lógica interna da sigla ainda é marcada pelas redes masculinas de contatos.

No todo, acaba se formando um padrão. O presidente indica para os postos mais sensíveis pessoas de confiança com quem já trabalhou —vale para ministérios estratégicos e para vagas abertas no STF (Supremo Tribunal Federal). E essas pessoas são quase sempre homens.

Biroli cita como contraexemplo o caso de Dilma Rousseff (PT). Sem um histórico de atuação partidária muito intensa, a petista se cercou de mulheres, muitas delas técnicas, ao longo de seus mandatos.

Entre os exemplos, estão Miriam Belchior, no Planejamento, e Tereza Campello, no Desenvolvimento Social.

Isso teria sido possível porque, diferente do que acontece com Lula, quando alguém de fora do núcleo dos partidos assume, a chance de que mulheres consigam entrar no círculo é maior.

De fato, até o gabinete inicial de Lula 3, que tinha 30% de mulheres, as equipes de Dilma tinham sido as que contaram com maior proporção de mulheres no começo do mandato, mostrou estudo de Daniela Rezende, professora da Ufop (Universidade Federal de Ouro Preto), sobre o período 1995 a 2018. Foram 24,3% ministras no gabinete de posse da primeira gestão de Dilma e 15,8% no da segunda.

Embora tal fato sinalize a hipótese de que uma mulher na liderança possa dar mais importância à igualdade de gênero, isso nem sempre acontece, ressaltam as pesquisadoras.

Isso porque diferentes dimensões se cruzam num mesmo agente político —uma ministra pode ser mulher e empresária ou mulher e sindicalista, para ficar em um exemplo, ou mesmo mulher progressista e mulher conservadora, o que as coloca em diferentes contextos de interesses e experiências.

Tanto Biroli como Rezende também ressaltam a divisão desigual do trabalho doméstico e do cuidado com os filhos como fatores com impacto na vida pública das mulheres, o que diminui o número de candidatas a ocupar uma pasta central.

Igualdade de gênero é central, diz governo Lula

Em nota, a Secretaria de Comunicação Social do governo Lula afirma que não há relação entre o número de reuniões individuais realizadas pelo presidente com as ministras mulheres e a importância dada à promoção da igualdade de gênero, "pauta central nas decisões de governo desde 1º de janeiro de 2023".

A pasta cita medidas adotadas no atual mandato, como criação da pasta das Mulheres, a lei da igualdade salarial e o parecer da AGU, assinado por Lula, que prevê demissão em casos de assédio sexual na administração pública federal.

A Secom afirma ainda que "o presidente tem mantido diálogo permanente com todos os ministros e ministras de Estado, não só em reuniões ministeriais, como também em outras agendas, como por exemplo, nas viagens nacionais e nas missões internacionais, telefonemas e outros contatos".

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