Invasão do STF teve preocupação de ministros com dados sigilosos e de Fux com troféus

Cem policiais judiciários agiram até chegada de reforço; 'sempre acho que pode acontecer de novo', diz secretário de segurança do tribunal

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Brasília

A destruição completa do plenário, salões nobre e branco e parte da Presidência do STF (Supremo Tribunal Federal) nos ataques de 8 de janeiro fez com que a polícia judiciária da corte tomasse uma decisão difícil.

Era preciso considerar que havia "perdido" o local e se concentrar no bloqueio à garagem de acesso ao prédio anexo, mais preocupante para os ministros. É que nesse edifício ficam a parte administrativa e os gabinetes do tribunal.

Naquele dia, o celular de Marcelo Schettini, secretário de segurança do STF, recebia a todo momento mensagens dos magistrados preocupados com a preservação do local, que guarda documentos sigilosos e processos.

Na correria, os agentes retiraram as placas das portas dos gabinetes para que os golpistas não pudessem identificar a qual ministro cada sala pertencia, caso chegassem ao local.

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Agentes da Polícia Federal fazem perícia no prédio do STF vandalizado após os ataques do 8 de janeiro - Pedro Ladeira - 10.jan.23/Folhapress

Cem policiais judiciários participaram da ação, vindos também de outros tribunais, contra os cerca de 4.000 manifestantes que chegaram ao STF. Durante 40 minutos, eles foram os únicos a atuar no Supremo, até que chegasse o reforço de outras forças de segurança, segundo o secretário.

Oito pessoas foram presas tentando invadir o edifício dos gabinetes, pelo subsolo do tribunal.

Os invasores chegaram a entrar na sala onde ficam as togas dos ministros, arrancaram a porta do armário de Alexandre de Moraes e divulgaram a imagem como se estivessem em seu gabinete, o que não era verdade. O ministro cuida de inquéritos sensíveis ao bolsonarismo, como o da rede de articulação de fake news e o de atos antidemocráticos.

Schettini também recebeu um alerta peculiar do ministro Luiz Fux, para a preservação de prêmios de jiu-jítsu guardados na sua sala. Segundo o agente, o ministro disse: "Não podem tirar meus troféus", ao que o chefe de segurança respondeu que os gabinetes estavam preservados.

Ele conta que a ministra Rosa Weber, então presidente do tribunal, queria ir ao STF quando manifestantes ainda estavam na Esplanada dos Ministérios, mas ele sugeriu que isso não fosse feito. Além disso, pediu que os magistrados evitassem se deslocar, pois não se sabia naquele momento se o ataque era coordenado e se alguém poderia persegui-los.

Segundo o secretário, a polícia judiciária só é preparada para segurar uma manifestação do tipo por cerca de 30 minutos, quando deve chegar o reforço de tropas especializadas, como o Batalhão de Choque da Polícia Militar.

A polícia do STF é equipada com granadas de gás lacrimogêneo, spray de pimenta e balas de borracha. Todo esse material foi utilizado durante a invasão.

Os segredos do 8/1

Os policiais também têm armas de fogo, mas elas não foram utilizadas. Para Schettini, o disparo poderia provocar um efeito manada entre policiais ou manifestantes que pudessem estar armados, levando a situação a sair do controle.

Apesar disso, alguns policiais chegaram a sacar suas armas para tentar inibir o avanço dos manifestantes. Nesses momentos, segundo o policial, os invasores levantavam as mãos, se ajoelharam e rezaram, o que ele definiu como uma cena surreal.

"Acredito que era para sair nas imagens disso. Olha que imagem, um policial do Supremo sacando uma arma de fogo contra uma pessoa que está com a mão levantada e rezando. Que impacto teria uma imagem dessa?", disse à Folha.

Os golpistas usaram pedras da calçada da Esplanada dos Ministérios e estilingues com bolinhas de gude contra os policiais, o que foi o suficiente para ferir pelo menos 12 agentes. Eles ficaram com hematomas e tiveram que dar pontos nas pernas.

Os policiais também tiveram dificuldade de respirar, já que inalaram o gás que eles próprios dispararam, pois o vento soprava a favor dos manifestantes e contra a posição dos agentes.

Já os manifestantes usaram cadeiras de praia e bandeirões verde-amarelos para dispersar o cheiro do gás e conter os tiros de bala de borracha. Duas pessoas foram presas com facas, além de outras com vinagre, utilizado para diminuir o efeito do gás.

O segurança do Supremo esteve presente na reunião em que a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal e outros órgãos elaboraram o plano para conter a manifestação, que já vinha se desenhando nas redes sociais. Dentro do planejado, a atribuição do STF era só cercar o tribunal, segundo o secretário da corte.

A inteligência do Supremo, assim como as outras forças, identificou que existia uma manifestação que poderia ser um pouco mais violenta, só que o engajamento era menor do que nas do dia 7 de Setembro, que reuniam até 500 mil pessoas e que a polícia judiciária sempre conseguiu conter.

Segundo o secretário, a equipe de segurança teve certeza de que haveria problemas quando a descida do Congresso foi aberta pelos policiais. Pouco tempo depois, os golpistas conseguiram derrubar os gradis que protegiam o STF. O prédio só foi completamente retomado uma hora depois, com a chegada de outras forças policiais.

"Estávamos preparados para outro cenário e, quando vimos que a Esplanada foi aberta, acendeu uma luz vermelha. Nosso planejamento já segurou um número grande de pessoas, então não se acreditava que, tendo 4.000 pessoas, alguma coisa poderia falhar. O planejamento cai igual um efeito dominó, se um falhou lá em cima, esse outro vai falhar", disse.

"A gente estava lidando quase dois anos com isso e não tinha tido falha em nenhum momento. Estava confiante que o plano daria certo. A abertura da Esplanada foi o começo do fim. Eles poderiam não ter invadido nenhum prédio, só mantendo o protocolo", acrescenta.

Segundo Schettini, os agentes tentaram dialogar com os manifestantes quando ainda estavam nos gradis, mas nenhuma conversa teve êxito.

"Tinha um momento que não tinha mais diálogo, você está sendo atacado. A partir do momento que desceu a multidão ali, o diálogo morreu e ficou só a verbalização do que iríamos fazer", disse, acrescentado que dava para identificar lideranças no grupo, assim como eles também sabiam quem eram os chefes de segurança do STF.

Ele define o dia seguinte aos atos como de "ressaca moral" e afirma que ninguém dormiu. Havia também o medo de que um "rato solitário", como ele diz, ainda tentasse alguma ação. O agente lembra que a ministra Rosa Weber chegou muito emocionada e lhe deu um abraço chorando e agradecendo, dizendo que iriam reconstruir tudo.

Os peritos da Polícia Federal ainda ficaram quase uma semana no tribunal, colhendo provas para que a polícia pudesse identificar os responsáveis. No dia seguinte, houve uma reunião com ministros que queriam saber sobre as ações tomadas e por que os manifestantes estavam andando livremente.

O dia 8 também fez com que a secretaria de segurança do STF tivesse maior facilidade para adquirir equipamentos e convocar agentes. Hoje, o secretário afirma que o tribunal tem capacidade de segurar sozinho manifestações por até três horas.

"Sempre acho que isso pode acontecer de novo. A gente tem um jargão, né? Sempre estamos esperando o melhor, mas nos preparando para o pior. Porém, acho que agora os manifestantes vão ter um pouquinho mais de trabalho", afirmou.

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