Lula demite número 2 da Abin, citado em operação da Polícia Federal

Diretor da Escola de Inteligência da Abin, Marco Cepik assumirá o posto; PF havia mencionado suspeita de conluio na agência

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Brasília

Em meio a um embate interno entre a Polícia Federal e a Abin (Agência Brasileira da Inteligência), o presidente Lula (PT) assinou nesta terça-feira (30) a demissão do diretor-adjunto do órgão de inteligência, Alessandro Moretti.

A presença de Moretti no cargo passou a ser contestada após ele ser citado pela Polícia Federal em operação deflagrada na semana passada sobre suposto uso da Abin para um esquema de arapongagem no governo Jair Bolsonaro (PL).

O principal elemento para essa afirmação é uma reunião com representantes de servidores da Abin, em março do ano passado, em que Moretti teria dito que a investigação sobre a agência tinha "fundo político" e iria passar.

Em documento, a PF disse que a postura de Moretti não é a esperada de um delegado que, até dezembro de 2022, ocupava a função de diretor de Inteligência da Polícia Federal.

Para a polícia, houve "conluio de parte dos investigados" com parte da alta gestão da Abin, que teria causado prejuízos à investigação e também à própria agência.

Afirma ainda: "A reverberação das declarações da Direção da Abin, portanto, possui o condão de influir na liberdade e na percepção da gravidade dos fatos pelos investigados ao afirmar a existência de 'fundo político' aos investigados."

Da esquerda para a direita, Rodrigo Moraes, diretor de Inteligência da PF, Andrei Rodrigues, diretor-geral da PF, Luiz Fernando Corrêa, diretor-geral da Abin, e Alessandro Moretti, diretor adjunto da Abin - 20.out.2023/Divulgação

A exoneração foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União. Substituirá Moretti o especialista em inteligência Marco Cepik, atual diretor da Escola de Inteligência da Abin.

Moretti foi número dois de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça, na Secretaria de Segurança do Distrito Federal, entre 2018 e 2021, e diretor de inteligência na PF no último ano do governo de Jair Bolsonaro (PL).

O nome de Cepik já tinha sido ventilado para o comando da Abin desde a transição de governo. Na ocasião, Lula escolheu o oficial de inteligência Saulo Moura da Cunha para o cargo de diretor-adjunto, que foi, no entanto, demitido do cargo após os ataques às sedes dos três Poderes, em 8 de janeiro de 2023.

Em junho passado, em entrevista à Folha, Cepik disse que Lula estipulou como prioridades da Abin a proteção do Estado democrático de Direito, a questão dos impactos das mudanças climáticas e as ameaças cibernéticas.

Indicado pelo diretor-geral da Abin, Luiz Fernando Côrrea, para o cargo que ocupa atualmente, Cepik é professor de relações internacionais e política comparada da Ufrgs (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e autor de mais de uma dezena de livros sobre a atividade de inteligência.

Antes mesmo de a demissão se tornar oficial, servidores da agência criticaram reservadamente a escolha pelo fato de Cepik não ser funcionário da carreira.

Apesar de especulações sobre o nº1 da agência, Corrêa segue no posto. Mais cedo nesta terça, em entrevista à rádio CBN Recife, Lula já havia sinalizado a saída de Moretti e disse que tem confiança no diretor-geral da agência, e que ele havia escolhido sua equipe.

"Esse companheiro montou a equipe dele, dentro da equipe dele tinha um cidadão [Moretti], que é o que está sendo acusado, que mantinha relação com o [Alexandre] Ramagem, que é o ex-presidente da Abin do governo passado, inclusive relação que permaneceu já durante o trabalho dele na Abin. Se isso for verdade que, está sendo provado, não há clima para esse cidadão continuar", afirmou.

Lula demonstrou ainda insegurança em relação à Abin. "A gente nunca está seguro", disse.

Na segunda-feira (29), o presidente teve uma reunião de cerca de três horas com Rui Costa (Casa Civil), Alexandre Padilha (Relações Institucionais), Márcio Macêdo (Secretaria-Geral) e Paulo Pimenta (Secom) a respeito da troca na agência, que está sob o guarda-chuva da Casa Civil.

O diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, e Luiz Fernando Corrêa ocupam campos divergentes dentro do governo.

Andrei é delegado da PF e coordenou a equipe de segurança de Lula na campanha. A PF está subordinada ao Ministério da Justiça.

Corrêa também é delegado federal, foi diretor da PF no segundo mandato de Lula e chegou ao comando da Abin após o petista tirar o órgão das mãos dos militares (o Gabinete de Segurança Institucional), em março, e alocá-lo na Casa Civil.

Na montagem do governo, Corrêa escolheu como números 2 e 3 da agência Alessandro Moretti e Paulo Maurício Fortunato, respectivamente. Esses nomes viraram munição contra o chefe da Abin, que foi acusado de contaminar a gestão Lula com resquícios do bolsonarismo.

Durante a sabatina no Senado, em maio passado, Corrêa saiu em defesa de Moretti e de Paulo Maurício Fortunato, então número três da agência —seria afastado do cargo em outubro por decisão de Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.

Fortunato foi alvo da PF na primeira operação da investigação, no ano passado, tendo sido encontrados US$ 171 mil em sua casa.

Na sabatina, Corrêa disse que considerava Moretti, "se não o mais, um dos mais preparados delegados para qualquer função de segurança pública e inteligência".

A investigação sobre a "Abin Paralela" sob Bolsonaro começou em março, após vir à tona a informação de que o software FirstMile foi usado pela agência, durante a gestão Bolsonara, para espionar adversários políticos.

A PF abriu inquérito e a atual gestão da Abin, uma sindicância investigativa.

A primeira operação autorizada por Alexandre Moraes ocorreu em outubro e incluiu buscas na Abin. A segunda, no último dia 25, mirou Alexandre Ramagem, chefe da Abin sob Bolsonaro e hoje deputado federal pelo PL do Rio. A terceira, na segunda-feira, teve como principal alvo o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos), apontado pela PF como integrante do núcleo político da organização que usaria a Abin para fins escusos.

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