Descrição de chapéu ataque à democracia Folhajus

Trabalhei com provas, diferente da Lava Jato, diz subprocurador que denunciou 1.400 pelo 8/1

Indicado por Aras afirma ter deixado investigação em dia para Gonet e vê falhas em apuração sobre militares

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Brasília

Responsável do Ministério Público Federal por apresentar à Justiça todas as denúncias relativas ao 8 de janeiro no primeiro ano de investigações, o subprocurador-geral da República Carlos Frederico Santos entregou o cargo em dezembro, com a nomeação de Paulo Gonet para chefiar a instituição.

Em entrevista à Folha, ele diz que pautou seu trabalho pela solidez da investigação criminal, baseada em provas, e aproveita para provocar a Operação Lava Jato.

Indagado sobre o papel do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em tentativa de golpe, afirmou: "Seria leviano eu falar isso ou aquilo a respeito de uma pessoa sem ter apurado a respectiva prova. Quem trabalhou assim foi a Lava Jato e não deu certo. O meu trabalho é diferente. Eu primeiro busco provas para depois falar e apresentar a minha denúncia".

O subprocurador-geral da República Carlos Frederico Santos durante entrevista à Folha - Pedro Ladeira/Folhapress

Três dias após os ataques às sedes dos Três Poderes, Santos foi designado pelo antecessor de Gonet, Augusto Aras, para coordenar o Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos, a quem coube a investigação sobre o caso junto ao STF (Supremo Tribunal Federal).

Após apresentar mais de 1.400 denúncias —principalmente contra incitadores (1.156) e executores (248) dos ataques, além de oito autoridades por omissão e um financiador—, o subprocurador se diz com a sensação de dever cumprido. "Deixei a casa arrumada e tudo está em andamento. As investigações estão todas em dia."

Santos criticou a condução da investigação a respeito dos militares, iniciada pela Polícia Federal sem combinação com o MPF. Mas evitou conflito com o ministro Alexandre de Moraes, relator dos inquéritos no STF.

Sobre as críticas ao magistrado por concentrar poder e ter de corrigir erros, declarou: "Eu não vejo abuso. Se houve erro, é o erro da justiça dos homens. Aqui não é a justiça divina".

Demarcou, porém, o papel de cada instituição: "Tudo aquilo que se critica a respeito de Justiça, a respeito de falta de acesso às provas, não é com o Ministério Público. Eu respondo pelo Ministério Público".

Santos seguirá na coordenação da Câmara Criminal do MPF, como mandato até junho, e como conselheiro do Conselho Superior do Ministério Público Federal.

Investigação

Elegemos como estratégia uma investigação em quatro núcleos. O dos financiadores, o das autoridades por omissão imprópria, o dos executores e o dos incitadores. A partir daí, pedimos ao Judiciário para que fossem instalados quatro inquéritos de acordo com esses núcleos. Esse pedido foi acolhido, e as investigações começaram nessa perspectiva. E evoluiu bem, porque várias pessoas foram presas em flagrante. Logicamente tínhamos um prazo para oferecer denúncia, para depois não se dizer que o Ministério Público estaria passando dos limites da acusação, deixando pessoas presas sem a respectiva acusação, não oportunizando o direito de ampla defesa. E a primeira preocupação nossa foi essa.

Ao mesmo tempo em que oferecemos as denúncias, pedimos que o flagrante fosse transformado em prisão preventiva. Como a pena desses que estavam na frente do quartel é inferior a quatro anos, nós já pedimos a revogação da preventiva deles e que fosse substituída por outras medidas, como uso de tornozeleira, não frequentar determinados locais, não frequentar redes sociais.

Omissão da PM-DF

Com as investigações, nós desvendamos os diálogos realizados entre a cúpula da Polícia Militar do DF, que indicavam a tendência de atos golpistas. Favoráveis ao golpe de Estado, favoráveis à abolição do Estado democrático de Direito, aquela situação do crime de "deixa acontecer".

Os diálogos demonstraram que a cúpula da Polícia Militar praticou omissão imprópria. Colocaram um efetivo de policiais aquém do ato, colocaram pessoas inexperientes, que tinham acabado de entrar na polícia, para acompanhar esse ato, e logicamente fragilizaram a segurança de propósito para que o ato desse certo.

A denúncia saiu em agosto, e pegou a maior parte da cúpula da PM. Eu costumo dizer: a PM é uma instituição respeitável, o que não estava sendo respeitável era exatamente sua cúpula.

Militares das Forças Armadas

Também eles podem ser enquadrados em crimes de golpe de Estado e abolição violenta do Estado democrático de Direito por omissão imprópria. Isso está sendo investigado, mas são investigações mais complexas. Nós não participamos diretamente das primeiras medidas relativas aos militares das Forças Armadas. O Ministério Público só foi notificado quando já estava tudo pronto.

Como começou essa investigação das Forças Armadas? Juntaram em torno de 80 militares naquele complexo de treinamento da Polícia Federal e ouviram todos juntos. Simultaneamente. Isso traz prejuízo para a investigação. Quando nós fomos lá, só foi para acompanhar a oitiva, e meus auxiliares perguntaram, a gente vai ouvir quem?

Eu digo, acompanhe os oficiais superiores. Porque não temos pessoas suficientes para acompanhar todos os depoimentos. O que é que facilitaria essa investigação? Que ela fosse fragmentada. Primeiro ouvir os oficiais de base, depois ouvir oficiais superiores e depois ouvir os praças. Aí nós teríamos o que perguntar para o grupo que fosse na sequência. Então tudo depende de uma técnica de investigação.

Eu não sei muito bem de onde surgiu isso, mas deve ter sido da Polícia Federal, isso porque não houve uma discussão prévia sobre uma estratégia de investigação a respeito desse tema. E deveria ter havido.

Sem operação de GLO

Naquele momento estava tudo muito turvo, e todo mundo tinha receio de que as Forças [Armadas] saíssem à rua. Ora, chamar as Forças para a rua no momento daquele, se as forças quisessem aderir àquele golpe você estava facilitando exatamente um golpe de Estado. Mas o que resulta é que as Forças não aderiram. Logicamente eu não estou exculpando nenhum militar que tenha eventualmente praticado um ato ou outro visando contribuir com o que ocorreu, mas da mesma forma que eu digo que a PM é uma polícia respeitável e nós tentamos tirar o joio do trigo, temos que fazer exatamente com as Forças Armadas. São respeitáveis, nós necessitamos das Forças Armadas, têm uma grande contribuição para o país, mas aqueles que claudicaram dentro das Forças Armadas têm que responder.

Crime de multidão

Havia uma massa de pessoas querendo derrubar um governo legitimamente eleito e praticando atos de vandalismo. Eu vou ter que provar que Pedro, Manuel, Jair e fulano de tal praticaram cada ato assim. Dizer: esse quebrou isso, esse só riscou aquilo, não, aquele quebrou o relógio, aquele vandalizou uma cadeira do STF. Não tem como se fazer isso. Então, nós aplicamos a tese do crime multitudinário –que não é nova–, dizendo que a execução daqueles crimes foi feita por várias pessoas ao mesmo tempo, e não preciso provar que foi Pedro, Joaquim ou Jair que fez cada coisa.

Acordos

O acordo de não persecução penal não é para simplesmente perdoar o crime. O perdão do crime vem com o cumprimento do acordo. Qual é a grande vantagem do acordo? Ele não vai contar para antecedentes criminais. A pessoa vai ter a vida limpa, como se não tivesse praticado nenhum crime. Outra vantagem: quem está com medidas cautelares alternativas, como tornozeleiras, à medida que o acordo for homologado, as cautelares podem ser suspensas. Celebramos o acordo para despertar essas pessoas para a realidade social, para a vida em comunidade, para o respeito à vontade do próximo. Tem que ser sim uma medida que permita à pessoa se sentir punida pelo que fez, não através da restrição da liberdade, mas de outros tipos de restrições por determinado período.

Financiadores

Temos que fazer um recorte muito grande do que está sendo investigado. Não posso considerar qualquer pessoa que passou um Pix de R$ 50 como financiador. Senão, nós teremos milhões de denunciados, e isso é improdutivo em termos de investigação criminal e em termos de educação para a população, efeito pedagógico da atuação criminal. Então a técnica investigativa com relação aos financiadores é buscar aqueles que realmente receberam vários recursos de outras pessoas e aplicaram para o ato do dia 8.

Papel de Bolsonaro no 8 de janeiro

As ilações a respeito do dia 8 podem ser atribuídas a várias pessoas. Na qualidade de investigador que eu sou, seria leviano eu falar isso ou aquilo a respeito de uma pessoa sem ter apurado a respectiva prova. Quem trabalhou assim foi a Lava Jato e não deu certo. Todo mundo sabe disso. Falava antes de se provar. O meu trabalho é diferente. Eu primeiro busco provas para depois falar e apresentar a minha denúncia.

Vamos fazer funcionar a ampla defesa, o contraditório. Se apresentarem provas que desaprovem a minha denúncia, eu no final peço absolvição. Mas se não desaprovar a minha denúncia –e quando ofereço uma denúncia acho difícil de desaprovar, porque eu trabalho dessa forma–, aí com certeza vai resultar em uma condenação.

Entrega do cargo

Mudou a gestão, eu resolvi entregar o cargo, porque minha atuação decorre de delegação do procurador-geral da República, é da competência dele. Então é uma situação elegante, para ele ficar livre para formar a equipe dele. Saio com a sensação de dever cumprido. Fiz mais de 1.400 denúncias, pedi mais de 700 revogações de prisão. Concretizei 38 acordos de não persecução penal. Tudo que estava no contexto desse primeiro ano com relação aos atos antidemocráticas, eu realizei. Deixei a casa arrumada e tudo está em andamento. As investigações estão todas em dia.

Raio X: Carlos Frederico Santos, 61

Nascido em Manaus, formou-se em direito pela Universidade Federal do Amazonas em 1986, fez especialização em direito público pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB) e mestrado em direito pela mesma instituição. Iniciou a carreira no Ministério Público do Estado do Amazonas como promotor de Justiça. Já foi secretário-geral do Ministério Público Federal e presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República. Coordenou o Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos, é coordenador da Câmara Criminal do MPF, conselheiro do Conselho Superior do Ministério Público Federal e subprocurador-geral da República.

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