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Em defesa de um Judiciário transparente

Nossos juízes não deveriam esperar que a sociedade tolere baixa transparência em troca de garantias democráticas

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Gregory Michener

Professor da FGV-Ebape e fundador do Programa de Transparência Pública

Sérgio Praça

Professor e pesquisador da FGV-CPDOC – Escola de Ciências Sociais

"A camada dirigente atua em nome próprio, servida dos instrumentos políticos derivados de sua posse do aparelhamento estatal", escreveu o jurista Raymondo Faoro em "Os Donos do Poder", de 1958 (pág. 705).

Parece que pouco mudou desde que Raymundo Faoro escreveu essas palavras. Embora a democratização parecesse prometer uma transição de um "Estado autocentrado" para um Estado que serve ao interesse público, a República Brasileira continua sendo indulgente. Um exemplo disso é que o país arrecada a mesma receita tributária de seus cidadãos que países como Canadá e Dinamarca, embora devolva comparativamente pouco em termos de valor.

Fachada do STF, em Brasília - Gustavo Moreno - 26.mar.2024/SCO/STF

Grande parte desses excessos tem a ver com salários grotescamente desproporcionais. Com todos os seus benefícios, os juízes brasileiros ganham em um mês mais do que a maioria dos brasileiros ganha em um ano.

Não é de admirar, então, que no ano passado o Judiciário tenha consumido o equivalente a 1,2% do PIB, com mais de 80% desse montante gasto em salários. Em comparação, o Judiciário de um país europeu médio custa menos de 0,5% do PIB. Isso significa que o Brasil gasta mais do que o dobro do que países desenvolvidos, o que é inaceitável, considerando as dificuldades financeiras que temos para realizar gastos sociais e investimentos que resultem em crescimento econômico.

A autogenerosidade do Judiciário brasileiro reflete uma instituição, em grande medida, orientada mais por interesses privados do que públicos. A falta de transparência é um sintoma disso. Há pouco mais de uma década, o Programa de Transparência Pública da FGV descobriu que os níveis de conformidade do Judiciário com a Lei de Acesso à Informação do Brasil estavam entre os mais baixos de todos os órgãos públicos.

Parece que, infelizmente, pouco mudou desde então, especialmente no que diz respeito ao STF (Supremo Tribunal Federal).

Tomemos como exemplo a recente controvérsia sobre o uso de aviões da FAB por ministros do Supremo. Após jornalistas iniciarem uma investigação sobre os gastos dessas viagens, o TCU (Tribunal de Contas da União) tomou uma decisão, em 30 de abril, permitindo que "altas autoridades" —incluindo os próprios ministros— mantivessem a informação sob sigilo por "razões de segurança".

O portal de transparência do STF saiu do ar para uma "atualização" e, ao retornar, não disponibilizava os dados sobre os gastos com viagens internacionais. Tais ações levantam sérias dúvidas sobre o compromisso do STF com a transparência e o acesso à informação. Afinal, a informação pode estar disponível online, mas se não for facilmente encontrável, não pode ser considerada verdadeiramente transparente.

Outro exemplo preocupante são as recentes decisões do STF sobre casos de corrupção. O Estado brasileiro gasta bilhões a cada ano para pagar os salários daqueles que deveriam investigar, processar e julgar a corrupção. No entanto, decisões recentes, anulações e generosos habeas corpus beneficiando pessoas indiscutivelmente corruptas deixam claro que montanhas de dinheiro público alocado para combater a corrupção são desperdiçadas.

Como resultado, a impunidade está em ascensão e a confiança pública no STF está diminuindo. De acordo com o AmericasBarometer (Latin American Public Opinion Project), 40% dos entrevistados em 2023 expressaram desconfiança no Supremo Tribunal. Em 2010, esse número era de 32,6%.

Um possível alento para a instituição pode ser o reconhecimento pelo papel importante, após a tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023, na defesa da democracia. No entanto, um recente estudo de Diego Zambrano, Ludmilla Martins, Rolando Miron e Santiago Rodríguez publicado no Journal of Democracy mostra que esse comportamento de defesa da Constituição contra presidentes autoritários tem sido praxe na América Latina. Considerando isso, nossos juízes não deveriam esperar que a sociedade tolere baixa transparência em troca de garantias democráticas.

A crítica à falta de transparência e à cultura de privilégios no Judiciário brasileiro não é mera retórica. O Brasil precisa e merece um Judiciário modesto, frugal e orientado ao interesse público —e não uma instituição com "conteúdo aristocrático, da nobreza da toga e do título", para citar, mais uma vez, Raymundo Faoro.

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