Descrição de chapéu Governo Lula

Lula reduz menções religiosas em discursos em meio a novo esfriamento na relação com evangélicos

Segmento quer mais espaço na Esplanada; governo vai retomar campanha 'Fé no Brasil', interrompida após enchentes no RS

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Brasília

O governo Lula (PT) deixou em segundo plano a estratégia de aproximação com os evangélicos, segmento próximo do bolsonarismo e que registrou aumento de rejeição à gestão petista no início do ano.

O próprio mandatário reduziu o uso de expressões religiosas em seus discursos, contrariando uma tendência anterior.

O presidente Lula durante evento no Palácio do Planalto - Pedro Ladeira/Pedro Ladeira - 28.mai.2024/Folhapress

Em janeiro, ele mencionou palavras como "Deus", "fé" e "milagre" em oito ocasiões. Em fevereiro, foram 15; em março, 18.

Em abril, as menções saltaram a 65. Um evento em Arcoverde (PE) se tornou emblemático, pois Lula usou expressões religiosas, em média, uma vez a cada minuto de discurso.

Na ocasião, a fala do presidente teve 11 referências a Deus, além de 16 vezes a palavra "milagre", duas vezes "crença" e cinco vezes "fé". Referiu-se uma vez ao "homem lá de cima".

Em maio, os termos caíram para apenas 29 menções. E, nos 13 primeiros dias de junho, Lula falou apenas "Deus" quatro vezes em um discurso.

O levantamento feito pela Folha reflete como o tema saiu da pauta prioritária de aliados próximos do governo. Aliados de Lula e auxiliares palacianos atribuem essa mudança à tragédia climática no Rio Grande do Sul, que tem centralizado a atenção do governo.

A Secom (Secretaria de Comunicação Social da Presidência) também lançou a campanha publicitária "Fé no Brasil", na semana anterior às enchentes. Agora, o Planalto fala em retomar a veiculação em rádios e televisão, que estava suspensa desde a tragédia. Ainda não há data precisa, mas interlocutores dizem que será em breve.

Oficialmente, integrantes da pasta argumentam que não há tom religioso na campanha e que nenhuma ação de propaganda foi direcionada ao público evangélico.

No entanto, nos bastidores há o reconhecimento no Planalto de que apenas o slogan já é uma forma de vincular o governo a uma expressão religiosa, e assim começar a romper algumas barreiras.

A inflexão do uso de termos religiosos em abril ocorre após o Datafolha revelar, num recorte específico junto ao público evangélico, aumento na reprovação do governo —chegando a 43%, ante 38% em dezembro.

Essa alta na rejeição teve grande peso nas dificuldades observadas na avaliação do governo, que viu pela primeira vez a taxa de reprovação igualar a de aprovação, acendendo uma alerta geral no Planalto.

Mas até lideranças religiosas que eram mais próximas do governo se queixam de falta de gestos e dizem que, apesar das sinalizações de alguns ministros, Lula não busca aproximação.

Esses aliados afirmam que as reivindicações do mundo evangélico não prosperam no Executivo. E mais: queixam-se de ações do governo. No exemplo mais recente, citam uma resolução do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, do Ministério da Justiça, que proibiu o proselitismo religioso nas penitenciárias.

A medida teve grande repercussão negativa com deputados da bancada evangélica, que dizem terem sido surpreendidos com a norma.

Membros do governo apontam que o ministro Ricardo Lewandowski, da Justiça, recebeu lideranças e pediu por escrito os pontos que o grupo gostaria de modificar. Segundo essas pessoas, o documento nunca foi entregue.

Em outra frente, uma ala dos evangélicos, sobretudo no Congresso, pleiteia maior espaço no governo. A avaliação é a de que a nomeação de Silvio Costa Filho (Republicanos) para o Ministério de Portos e Aeroportos não foi suficiente.

Esses interlocutores hoje insatisfeitos com o tratamento do Executivo ao segmento religioso citam que um eventual apoio do Planalto à candidatura do deputado Marcos Pereira (Republicanos-SP) à presidência da Câmara pode refazer os laços.

Primeiro, porque isso significaria uma deferência do governo com o segmento evangélico. Segundo, porque seria um político ligado aos evangélicos com poder de diálogo frente a Lula.

O governo ainda não se posicionou na disputa pela sucessão de Arthur Lira (PP-AL).

Hoje esses aliados do governo reconhecem que o principal interlocutor no governo é o ministro Jorge Messias (Advocacia-Geral da União). Também evangélico, ele recebe semanalmente lideranças do segmento, dizem aliados.

Messias busca ainda fazer a ponte entre as igrejas e a equipe econômica.

O ministro da AGU foi escalado por Lula, inclusive, para comparecer e levar uma carta em seu nome para a Marcha para Jesus, em São Paulo. Na mensagem, Lula agradeceu o convite para participar do evento, lembrou que ele sancionou a lei que criou a marcha e celebrou a dimensão que o evento ganhou.

Antes da tragédia do Rio Grande do Sul, uma ala do governo buscava alinhar reuniões entre ministros e lideranças evangélicas de grandes denominações, com aval do Palácio do Planalto.

A ideia era amadurecer a relação para possibilitar um encontro com o próprio presidente. Lula, contudo, vinha se mostrando resistente a fazer gestos para recortes específicos da sociedade.

Essas reuniões não aconteceram. Auxiliares palacianos atribuem isso às enchentes no Rio Grande do Sul, que dominaram a agenda do Planalto. A Casa Civil montou uma sala de situação e direcionou esforços para o enfrentamento à crise no estado.

O então ministro da Secom (Secretaria de Comunicação Social), Paulo Pimenta, um dos entusiastas dessa aproximação com os evangélicos, foi deslocado para a função de ministro da Secretaria Extraordinária de Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul.

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