"Falta espaço para a música brasileira", diz criador do Apê 80
Tulipa Ruiz, Pélico, Bárbara Eugênia, Leo Cavalcanti, Blubell. Hoje destacados, todos foram atrações do Apê 80 entre maio de 2010 e junho de 2011, antes de ganharem espaço no circuito Sesc-Baixo Augusta.
Colegas consagrados, como André Abujamra, e apostas destoantes, como a violoncelista gaúcha Dominique Pinto, a Dom, e o grupo argentino Violentango, também marcaram presença.
Seria um mero caso de curadoria bem-sucedida, não fosse o inusitado: o palco está, de fato, no apartamento número 80, na cobertura de um edifício na rua Peixoto Gomide, centro de São Paulo.
Mais especificamente no terraço do segundo andar, com vista panorâmica das ruas Augusta e Frei Caneca fervilhando madrugada adentro.
Um dos pioneiros e hoje herdeiro da ideia, o paranaense Luis Rodolfo Lopes, 26, autointitulado "agitador cultural", vê no lugar um retrato do espírito paulistano.
"O que pode ser mais a cara da cidade do que um show no topo de um prédio?", questiona, com a fala tranquila e o sotaque arrastado de Cornélio Procópio, no Paraná.
Após ter problema por conta das festas, ele entregou o imóvel na última terça (dia 17), mas promete levar os shows para uma próxima morada, ainda sem endereço.
Letícia Moreira/Folhapress | ||
Rodolfo Lopes, jornalista e "agitador cultural", co-fundador e herdeiro do Apê 80, sensação da noite paulistana; veja fotos |
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Revista "sãopaulo": O que te trouxe a São Paulo?
Rodolfo: Me formei em jornalismo em Ponta Grossa (PR), em 2007, e lá conheci o pessoal do Apê, entre eles o Junior Bellé (jornalista, 27). Eles vieram para o Apê em abril de 2009. Migrei no mês seguinte.
De onde surgiu a ideia dos shows?
A gente recebia amigos músicos de passagem pela cidade. Eles ficavam uns dias, ligavam os instrumentos para ensaiar de manhã... Daí para juntar um pessoal para ver, foi um passo.
Qual foi o primeiro?
Nevilton.
E o último?
Fizemos um show de despedida no começo de março, com o Curumin, que durou mais de três horas. Acabou virando uma série: Banda Gentileza, Vanguart, Tulipa Ruiz e Rafael Castro, Bazar Pamplona, Saulo Duarte e a Unidade. O Cícero fechou a tampa no domingo (dia 15) passado.
Como chegavam a novos artistas?
Sempre gostei de conhecer bandas, viajar para ver festivais, na esperança de descobrir alguma coisa boa que ninguém conhece. Assim descobrimos o som do Filipe Catto, por exemplo, antes de ele sequer ter um disco. Se tem um cara que para e ouve coisa mal gravada, sou eu.
Competindo com as casas noturnas, como atrair público?
As pessoas se sentiam em casa, tinham mais liberdade e cuidavam das coisas como se fossem delas. Pagavam até R$ 20 para entrar, mas, lá dentro, não precisavam se sujeitar a regrinhas bestas ou a preços exorbitantes, tipo cerveja a R$ 8.
E os músicos?
Uma vez o Rafael Castro me disse: "você não sabe a diferença que faz para um músico ser tratado com respeito." Pagávamos bem e investíamos em coisas simples, como separar um quarto para camarim com frutas, sucos e lanches. O custo disso não passava de R$ 30. E tinha até água de coco.
A que atribui o sucesso do Apê 80?
À coerência. Você vê "thrash metal" e samba-rock no mesmo palco em casas por aí. Até nas mais conceituadas, no fim de semana as bandas são "cover". A gente investiu só no autoral de qualidade.
O que fazer para manter uma balada como essa num prédio residencial?
Tínhamos certos cuidados, como controlar a entrada de pessoas na rua para não bagunçar o hall e o elevador, e não abusar muito no volume do som. Chamamos um engenheiro para avaliar se era seguro ter 150 pessoas ali. E alguns vizinhos vinham nas festas, isso ajudou.
Alguma vez tiveram que cancelar um show?
O mais perto disso foi quando veio o (André) Abujamra. A única vez em que choveu. O pessoal acordou cedo no dia do show, correu para a (rua) 25 de Março e voltou com 150 capas de chuva, R$ 1 cada uma. A gente anunciou no Facebook: "quem vier ganha capa de chuva". De graça. Foi surreal, a casa cheia de gente, todo mundo vestindo capinha.
Quem você gostaria de ter visto tocar no Apê?
BNegão & Seletores de Frequência, Ludovic e Cidadão Instigado.
O que o Apê 80 deixa para a cidade?
As festas alimentaram uma cena de fotógrafos, artistas plásticos, escritores, DJs, que também nos ajudaram muito. O Apê 80 é como uma verticalização da cultura alternativa. O Bellé e um amigo nosso, o Fábio Navarro, escreveram um artigo sobre isso e chamaram o movimento de "upperground". Acho que vai pegar. Existe muita música brasileira de qualidade, e falta espaço para ela.