Exposição apresenta 'Eva negra' nua e homenagem a Jorge Amado
A tradicional narrativa bíblica de Adão e Eva foi reproduzida de forma inusitada na exposição "Beleza Afro-Brasileira", em cartaz na Panamericana Escola de Arte e Design, em Higienópolis (centro de São Paulo).
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O fotógrafo italiano Giancarlo Mecarelli, 66, fez a produção de uma Eva negra envolta por uma cobra, que se junta a outras 29 fotos de mulheres afrodescendentes nuas. "Sempre tive essa ideia de realizar uma imagem para quebrar com o ícone da Eva europeia, quase que alemã. Quem disse que ela era branca?", diz Mecarelli na noite de abertura, nesta terça-feira (14).
Amon Borges/Folhapress |
Renata Felinto, 34, a "Eva Negra", e o fotógrafo Giancarlo Mecarelli, 66, na abertura da exposição Beleza Afro-Brasileira |
A artista plástica paulistana Renata Felinto, 34, foi a escolhida para encarnar a figura feminina mítica. "No começo, fiquei na dúvida porque existem trabalhos de nu péssimos, de mau gosto. Mas quando vi o trabalho do Mecarelli, gostei da iluminação, dos efeitos. Achei sério", afirma a moradora de Taboão da Serra (Grande São Paulo).
Além de resgatar a beleza da mulher negra de uma forma simples, o fotógrafo teve a intenção de prestar homenagem a Jorge Amado: cada foto da exposição é acompanhada por um trecho da obra do autor baiano, todos selecionados pelo escritor Ovídio Poli Júnior. "Foi um trabalho muito agradável. Vendo algumas das imagens já me vinha logo a associação com determinada história. O objetivo é mostrar a proximidade que há entre o universo feminino contido na obra de Jorge e a beleza das mulheres negras."
A união com a literatura é outro motivo pelo qual Renata se interessou. "Embora já tenha feito um book, não quis ser modelo porque eu achava meio vazio. Como ele estava fazendo um cruzamento entre as fotos de mulheres negras e a obra de Jorge achei que tinha sentido participar. Foge do padrão de beleza tradicional", ressalta.
Segundo Mecarelli, o trabalho começou em Paraty (Rio de Janeiro) e foi apresentado pela primeira vez em sua galeria Zoom, em 2006, paralelamente à Flip (Feira Internacional de Literatura de Paraty).
"Comecei clicando moças que trabalhavam na padaria, outra como garçonete, outra em casa de família... Mulheres de um cotidiano essencialmente simples, mas que, com a exposição, passam ao status de 'Deusas'", diz o europeu que se mudou para a cidade histórica em 2005. "O importante é não ser vulgar e a beleza acaba ficando na simplicidade", completa o criador do Paraty em Foco - Festival Inernacional de Fotografia.
Beleza Afro-Brasileira - Panamericana Escola de Arte e Design - av. Angélica, 1.900, Higienópolis, centro, São Paulo, SP. Tel.: 0/xx/11/3887-4200. Até 8/9. Seg. a sex.: 9h ás 21h; sáb.: 9h às 12h. Grátis.
ABAIXO, LEIA BATE-PAPO COM O FOTÓGRAFO ITALIANO:
sãopaulo - Discussões sobre religião e cor de pele são muito polêmicas. Teve alguma repercussão quando representou uma Eva negra?
Giancarlo Mecarelli - A "Eva Negra" é uma representação artística. Como qualquer outra, está sempre aberta a diversas opiniões. Entretanto, como a imagem ainda não foi amplamente divulgada e a exposição só começa em agosto, não houve nenhuma controvérsia até agora.
Como surgiu essa ideia de representação e por quê?
A partir do grande tema da exposição, beleza afro-brasileira, pensei: "por que não uma Eva black"? Entre as moças de São Paulo que posaram para as minhas fotos, achei que uma delas poderia se encaixar na personagem. Só perguntei se ela topava e se não teria medo de posar com uma jiboia, e assim foi. Sempre tive essa ideia de realizar uma imagem para quebrar com o ícone da Eva europeia, quase que alemã.
É a única imagem em que há uma mudança na cor. Qual a razão?
Eu achei que a cor da cobra e a da personagem estavam "brigando" um pouco. Então resolvi dar um efeito para aumentar o contraste e destacar os pontos variados.
A exposição é uma reedição da que ocorreu em 2006, paralelamente à Flip. Quais as novidades?
De certo modo, a exposição pode até ser considerada uma reedição, mas existem várias fotos novas, inclusive com moças de São Paulo. A ideia é de que esta exposição possa ser feita também em outras cidades. O bom desta mostra é que ela não envelhece, continua sempre atual.
Qual a principal mensagem que deseja passar com esse trabalho?
Iniciei esse projeto em Paraty, clicando moças que trabalhavam na padaria, outra como garçonete, outra em casa de família... Mulheres de um cotidiano essencialmente simples, mas que, com a exposição, passam ao status de "Deusas". Além disso, a mostra foi uma injeção positiva na autoestima na comunidade afro. Para dizer a verdade, eu fiquei um pouco apreensivo. Imagine: eu, fotógrafo europeu branco, fotografando moças negras nuas? Mas a exposição foi um sucesso, foi vista por quase 1.300 pessoas nos cinco dias da Flip. Só recebemos elogios, a maioria das moças estava presente, foi muito bom. Até hoje vem gente na galeria me falar daquela exposição. Um detalhe: os mais belos elogios foram feitos por mulheres brancas, deslumbradas pelos belos corpos negros.
Em que momento decidiu fazer a associação com frases de Jorge Amado?
A ideia surgiu em 2006 em uma reunião da Off Flip [evento paralelo à Flip]. O Jorge Amado era então o homenageado e eu tinha pensado em realizar a mostra somente com as fotos. Mas depois pensei que, com a contraposição de frases, a exposição ficaria muito mais interessante. Nesta reunião conheci o escritor paulista radicado em Paraty, Ovídio Poli Junior, profundo conhecedor da obra de Amado. Enviei por e-mail as fotos escolhidas, e, depois de apenas 20 dias, já tínhamos escolhido as frases.