Mudança de hábitos de motoristas é chave para evitar acidentes

Desafio é alcançar harmonia entre carros, motos, bicicletas e pedestres, dizem especialistas

Barueri

​As vias públicas não são de uso exclusivo dos automóveis. A divisão crescente desse espaço, no entanto, acrescenta às ruas e avenidas exemplares frágeis como motos e bicicletas, cujos ocupantes, assim como os próprios pedestres, sofrem lesões mais graves em acidentes do que os motoristas de veículos.

Assim, uma das principais saídas para a redução dos acidentes no trânsito no Brasil é uma melhor convivência entre esses diferentes modais, de acordo com especialistas que debateram o tema durante o 2º fórum Segurança no Trânsito, promovido pela Folha, na segunda-feira (11).

Plateia assiste à mesa de abertura do 2º fórum Segurança no Trânsito, que discutiu, entre outros temas, a proteção dos mais frágeis nas vias, em Barueri (SP) - Reinaldo Canato/Folhapress
Essa mudança de comportamento, segundo eles, deve acontecer principalmente por parte dos motoristas, passando a incorporar o zelo pela segurança dos mais frágeis.
 
O fórum, que aconteceu no auditório do Centro Comercial Alphaville, em Barueri (SP), teve patrocínio da Ambev, da CCR ViaOeste, da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), da Pirelli e da Uber e contou com a mediação dos jornalistas da Folha Alencar Izidoro e Everton Lopes Batista.

Segundo Silvia Maria de Lisboa, coordenadora do Movimento Paulista de Segurança no Trânsito, as políticas públicas devem priorizar os modais não motorizados em detrimento aos carros.

Ela aprovou a expansão da malha cicloviária na cidade de São Paulo, mas fez ressalvas: em alguns lugares, as ciclofaixas não foram bem implementadas e hoje já carecem de manutenção.

“Faltou um pouco de discussão com os demais usuários. Talvez isso explique o aumento dos incidentes que ocorreram entre ciclistas e pedestres”, afirmou Silvia.

Quando foram expandidas em São Paulo em 2014, pelo então prefeito Fernando Haddad (PT), as ciclovias foram alvo de críticas de motoristas e moradores da cidade.

Para o secretário municipal de Mobilidade e Transportes de São Paulo, João Octaviano Machado Neto, não houve estruturação do sistema viário para recepcionar as novas ciclovias no município.

“São 17 mil quilômetros de vias que estão há 40 anos sendo utilizadas da mesma forma. Elas não foram projetadas para as mudanças que aconteceram”, afirmou o secretário.

Segundo Neto, a introdução dos ciclistas na rotina de trânsito das cidades exige maturidade social e compartilhamento da via. “Infelizmente, o que houve foi discussão e antipatia com a bicicleta.”

O médico Luis Henrique de Camargo Rossato, chefe do pronto-socorro do Departamento de Ortopedia da Santa Casa de São Paulo, alertou para o crescimento recente do número de vítimas de atropelamento por ciclistas no centro da capital paulista, inclusive nas próprias ciclovias.

São os motociclistas, no entanto, os que mais morrem em acidentes de trânsito no mundo, de acordo com dados da OMS (Organização Mundial da Saúde). No Brasil, as motocicletas foram responsáveis por 12,1 mil mortes em 2016, o que representa 32% das fatalidades no trânsito.

Rossato também lamentou o fato de a maior parte dos motociclistas que sobrevive a um acidente ficar com sequelas graves, como amputação de membros.

“Se olharmos sob o ponto de vista econômico, a perda da força produtiva desses acidentados é um grande prejuízo para o Estado”, afirmou.

Alguns debatedores lembraram que, apesar de haver problemas com a conservação de algumas vias e com a sinalização, na maior parte dos casos, os acidentes são ocasionados por falha humana.

O chefe substituto da 6ª Delegacia da Polícia Rodoviária Federal, Waldiwilson dos Santos Pinto, afirmou que a fiscalização constante é uma forma importante de mudar o comportamento dos cidadãos no trânsito. “Se não ocorrer, tudo cai em descrédito.”

O problema é que as pessoas são a favor da fiscalização apenas quando acontece com os outros, e não com elas mesmas, segundo o coronel da Polícia Militar e comandante do Policiamento Rodoviário, Luis Henrique Di Jacintho Santos.

Ele também fez críticas ao comportamento de motoristas que procuram avisar outros condutores de que está acontecendo uma blitz.

“Essa cultura do brasileiro precisa ser mudada. É como o pai que conduz tomando umas cervejas e depois fala para o filho não dirigir bêbado. Só com a mudança individual, cada um fazendo sua parte, que talvez alcancemos um trânsito seguro”, afirmou.

Para Silvia, uma possível solução é promover avanços na educação dos motoristas, principalmente na questão do respeito aos direitos dos pedestres no trânsito.

“O pedestre é o agente principal. O motorista imprudente hoje é um possível pedestre acidentado amanhã.”

EDUCAÇÃO NAS ESCOLAS DEVE FAVORECER CONVÍVIO NAS VIAS

A educação para o trânsito deve começar já na escola, por meio de programas de conscientização dos jovens, segundo o secretário Neto.

“Essa meninada que vai para a balada e toma Corotinho e Catuaba tem de ter uma atitude responsável. Assim como o amigo do lado tem de dizer: ‘Você não vai pegar o carro porque ou vai morrer ou vai matar’”, explicou Neto.

No evento, estavam presentes 37 estudantes do ensino médio da escola Fernão Gaivota, de Alphaville, que participaram enviando perguntas aos palestrantes das mesas.

Segundo Danielle Sanches, pesquisadora da FGV-DAPP (Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas), é a melhor instrução nas escolas que vai favorecer a boa convivência entre motoristas, motociclistas, ciclistas e pedestres.

A pesquisadora afirmou que só tendo mais conscientização e cidadania será possível reduzir os casos de briga e lesão corporal dolosa no trânsito que ocorrem após acidentes.

PROCESSO DE OBTENÇÃO DE CARTEIRA TEM DE SER MAIS RIGOROSO

Outros aspectos considerados importantes por especialistas para combater acidentes são uma maior fiscalização em autoescolas e severidade na aplicação de multas.

A piloto de testes de moto Eliana Malizia cobrou mais rigidez no processo de obtenção da carteira de motorista e punição a autoescolas que vendem a garantia de aprovação no exame prático.

O diretor-presidente do Detran-SP, Maxwell Vieira, explicou que o órgão investe no combate às fraudes no processo de formação do condutor.

“No ano passado, implantamos um sistema de segurança que aceita apenas o dedo vivo, porque algumas pessoas usavam dedo de silicone para driblar as aulas. Também modernizamos os canais de comunicação”, disse Vieira.

Para haver uma fiscalização mais efetiva no país, é necessária a criação de uma agência nacional de segurança no trânsito, defendeu Coca Ferraz, professor do Departamento de Engenharia de Transportes da USP e secretário de Transporte e Trânsito de São Carlos (SP).

“É pouco ter apenas o Denatran [Departamento Nacional de Trânsito] dentro de um ministério. Precisamos de um órgão mais forte para mudar as condições de trânsito no Brasil”, afirmou.

De acordo com a pesquisadora Danielle, um órgão como esse poderia atender melhor as especificidades locais de trânsito —inclusive das ciclovias, que guardam demandas diferenciadas.

“Há muitos problemas para resolver dentro das rodovias e do perímetro urbano. Pensar nacionalmente é complicado. Essa agência seria uma excelente instituição para debater e fazer políticas públicas mais sérias”, disse.

O presidente da concessionária CCR ViaOeste, Paulo Rangel, citou como exemplo de agência local a Artesp (Agência de Transporte do Estado de São Paulo), que realiza a fiscalização das rodovias do estado concedidas para a iniciativa privada.

“É uma fiscalização efetiva para os indicadores que nós temos no contrato. Por exemplo, precisamos ter zero buraco. Em 24 horas temos de corrigir qualquer falha que aparecer na pista, então a concessionária tem de estar preparada para isso na sua operação diária”, afirmou Rangel.

DEZ PROPOSTAS PARA UM TRÂNSITO MAIS SEGURO

1. Conscientizar os motoristas sobre o ponto cego no retrovisor
2. Aumentar a punição para quem usa o celular dirigindo
3. Melhorar a capacitação dos instrutores de autoescola
4. Fiscalizar mais e punir autoescolas que vendem carteira de habilitação
5. Realizar uma avaliação psicológica mais rigorosa para conceder a CNH em todas as categorias
6. Ensinar crianças desde cedo sobre o respeito no trânsito
7. Instruir motociclistas sobre equipamentos de segurança, como validade de capacetes
8. Destinar faixas exclusivas para motos em grandes vias
9. Limitar a velocidade máxima em 50 km/h para motos que circulam entre os carros quando os veículos estiverem parados no trânsito
10. Trocar a tinta usada nas faixas do asfalto das ruas por uma que não fique escorregadia quando estiver chovendo

Fonte: Eliana Malizia, piloto de testes de motocicletas

Bianka Vieira, Caio Araujo , Camila Gambirasio e Leonardo Neiva
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