Imagens do cotidiano de crianças também podem atrair gente mal-intencionada

Pais precisam aprender mais a respeito de exposição na web, dizem especialistas

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Andrea Vialli
São Paulo

Aos 16 anos, a paulistana Giulia Nassa é uma celebridade nas redes sociais. A cantora e atriz acumula 1,3 milhão de seguidores em seu perfil no Instagram, 343 mil em seu canal no YouTube e mais 1,4 milhão no canal de sua banda, BFF Girls. 

A jovem teve a carreira impulsionada após participar do programa The Voice Kids, em 2016, o que levou o número de seguidores a disparar em poucos meses. Algumas mensagens recebidas nesse meios, porém, acenderam o sinal de alerta na família. 

“Eu tinha 12 anos quando gravei o programa e, à medida que meu público crescia, comecei a receber mensagens de assédio nas redes sociais, a maioria de homens bem mais velhos”, afirma Giulia.

Obra 'Cantinho II' (2012), de Ana Elisa Egreja
Obra 'Cantinho II' (2012), de Ana Elisa Egreja - Filipe Berndt/Divulgação

As redes sociais são o principal canal de interação da jovem cantora com os fãs, e a carreira paralela como influenciadora digital ajuda a trazer mais visibilidade para sua música. Embora Giulia seja a responsável por gerar os conteúdos e interagir com os seguidores, seus pais logo tomaram medidas para conter aqueles mal-intencionados.

Além de bloquear e denunciar os usuários, os pais assumiram o papel de proteger a adolescente das mensagens privadas que chegam pela caixa postal de Instagram e Facebook. 

Junto com a assessora de imprensa da cantora, filtram as mensagens e os comentários públicos nas redes. “O assédio ainda ocorre com frequência, mesmo com a blindagem dos meus pais. Quando algo escapa, o melhor remédio é ignorar”, afirma a cantora.

O advogado Thulio Nassa, 42, pai de Giulia, orienta a adolescente em relação ao que postar ou não, o que rende alguma negociação para evitar contratempos. “Os pais também se sentem inseguros ao lidar com filhos que são influenciadores digitais, tem sido um aprendizado constante nos últimos três anos”, diz. 

Além dos casos de assédio, é preciso saber lidar com os “haters”, que entram nas redes só para destilar ofensas, e tomar cuidado para que a presença online não afete outras esferas do cotidiano da adolescente, como a escola e a convivência com a família e amigos não virtuais. Para isso, toda a família passa por acompanhamento psicológico.

Com crianças e jovens cada vez mais expostos aos meios virtuais e influenciados por eles, a atenção dos pais deve ser redobrada. O YouTube, por exemplo, exige a idade mínima de 13 anos para gerenciar contas no site, mas crianças mais novas utilizam a plataforma para acessar conteúdo. Os responsáveis devem ficar atentos a interações com desconhecidos e acessos às redes em horários fora do padrão.

“A partir do momento em que os pais oferecem um smartphone para o filho, será preciso acompanhar as interações, os comentários nas redes e fotos que são publicadas. Não se trata de proibir, mas de dialogar e monitorar”, diz Kelli Angelini, gerente da assessoria jurídica do NIC.br (Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR), que implementa as ações do Comitê Gestor da Internet no Brasil. 

Os pais também precisam se atentar para seus próprios hábitos virtuais. Muitas vezes o usuário publica fotos ou vídeos comuns, de crianças em trajes de banho numa piscina, por exemplo, e acaba atraindo pessoas mal-intencionadas.

Recentemente, o YouTube foi alvo de questionamentos nesse contexto —pedófilos estariam se utilizando do algoritmo de recomendações da plataforma para chegar a vídeos com menores de idade.

“No imaginário dos pais, o contato com pedófilos é o maior perigo a que as crianças e adolescentes estão expostos na rede. Mas muitas famílias ainda não têm a percepção de outros riscos, por isso é preciso um trabalho educativo”, diz Juliana Cunha, coordenadora do canal de ajuda da organização SaferNet Brasil.

Criada em 2004 para combater a pornografia infantil na internet brasileira, a instituição expandiu seu escopo para a defesa dos direitos humanos na rede.

Após denúncias feitas pelo youtuber americano Matt Watson, que expôs o mau uso das ferramentas, a rede baniu mais de 400 perfis e os denunciou às autoridades. 

Para Juliana, as empresas donas das plataformas vêm aprimorando o controle sobre conteúdos suspeitos com inteligência artificial, mas pode haver lacunas, por isso o olhar atento dos pais e professores ainda é a melhor forma de proteger as crianças.

O Marco Civil da Internet, de 2014, trouxe algumas regras que ajudam —as plataformas devem remover fotos ou vídeos que contenham cenas de sexo ou nudez sem a necessidade de mandado judicial, por exemplo—, mas isso não impede o compartilhamento de imagens que possam gerar constrangimento.

A divulgação de fotos íntimas, os chamados nudes, sem o consentimento de uma das partes é a principal causa de pedidos de ajuda de internautas brasileiros, de acordo com a SaferNet Brasil.

A ferramenta Helpline, desenvolvida pela entidade, recebe denúncias e as encaminha para a polícia e para o Ministério Público Federal. 

Entre 2007 e 2018, 24,2 mil pessoas foram atendidas —2.300 crianças e adolescentes. Em 2019, a exposição de imagens íntimas na internet foi a maior causa de pedidos de ajuda (669), seguida de cyberbullying/ofensas (407) e fraudes/golpes (242). 

Pais e educadores, responsáveis por 1.900 denúncias, pedem ajuda majoritariamente por suspeitas de aliciamento sexual.

 
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