Nova regra para oferta de curso de pós-graduação é criticada em debate

Resolução abre a possibilidade de empresas e órgãos de pesquisa criarem especializações, o que era, desde 2011, restrito a instituições de ensino

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São Paulo

A resolução do CNE (Conselho Nacional de Educação) que flexibilizou as regras para a criação de cursos de pós-graduação lato sensu, publicada no ano passado e ainda em fase de implantação, é vista com desconfiança por alguns representantes de instituições de ensino superior.

Do outro lado, especialistas defendem que as mudanças podem levar a um aumento da competitividade no mercado das especializações, como são conhecidos os cursos, e fazer crescer a qualidade.

Para o reitor da Universidade Mackenzie, Benedito Guimarães Aguiar Neto, a medida é ilegal por permitir que instituições não educacionais ofereçam os cursos. “Isso fere frontalmente a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)”, afirmou durante o seminário Desafios da Pós-Graduação no Brasil, realizado na quarta-feira (5).

O evento foi promovido pela Folha, com patrocínio da Universidade Presbiteriana Mackenzie, no auditório MackGraphe, em São Paulo.

De acordo com a resolução, publicada em 6 de abril de 2018, institutos de pesquisa científica e instituições do mundo do trabalho podem oferecer especializações nas áreas em que atuam.

Desde 2011, a autorização só era concedida para instituições de educação superior credenciadas pelo Ministério da Educação (MEC) e escolas de governo, instituições públicas que formam e capacitam agentes públicos e podem estar ligadas a um governo de estado ou prefeitura.

Em nota, o Semesp, entidade que representa mantenedoras de estabelecimentos de ensino superior do país, disse que vê com preocupação a possibilidade de empresas criarem seus próprios cursos. 

“A permissão irrestrita pode comprometer a qualidade da especialização. É fundamental, antes da autorização, averiguar se realmente o instituto tem competência para oferecer o curso”, diz a nota. 

Para o reitor do Mackenzie, outro problema é o fato de o documento não especificar o que são instituições do mundo do trabalho. “Que instituições são essas? São sindicatos, segmentos organizados da sociedade? Isso pode ser transformado em um caça-níquel, o que é muito perigoso porque impacta a qualidade da formação.”

Segundo Luiz Curi, presidente do CNE, o credenciamento especial não é ilegal. O decreto nº 9.235, assinado pelo presidente da República em 2017, já permitia que uma instituição não educacional, as escolas de governo, criassem seus cursos de pós-graduação lato sensu.

A medida tem o objetivo de atrair empresas com boa reputação e experiência no mercado para oferecer os cursos, uma vez que especializações são voltadas para capacitação e atualização do profissional, de acordo com Curi.

“A resolução vem para tornar os cursos mais dinâmicos e, quem sabe, mostrar maneiras mais inovadoras para fazer essa formação”, afirmou.

Por estarem centradas no mundo profissional, as empresas que recebem quem faz os cursos definem quais programas sobrevivem e quais morrem, segundo Marcelo Saraceni, presidente da ABIPG (Associação Brasileira das Instituições de Pós-Graduação).

“É através do aumento da competitividade que as instituições de ensino vão desenhar ofertas cada vez mais alinhadas com o mercado”, afirmou.

Para Roberta Lins Estevam de Barros, assessora jurídica do Semesp, o ideal é que sejam estabelecidas parcerias entre instituições de ensino superior e entidades do mercado para que a especialização seja ministrada em conjunto.

A avaliação a ser feita das instituições que pedem o credenciamento especial também foi criticada pelo reitor do Mackenzie.

Esse processo de avaliação não utilizaria os mesmos critérios usados para as universidades, por exemplo. Isso pode causar um desequilíbrio entre os cursos lato sensu oferecidos no país, disse o reitor.

De acordo com Curi, a resolução prevê que o Inep faça uma avaliação dos parâmetros acadêmicos da instituição antes que ela ofereça o curso.

O instrumento para essa avaliação não está pronto e os critérios a serem observados devem variar de acordo com o tipo de organização e área de atuação, mas deve levar em conta pontos já determinados pela resolução, como boa reputação no mercado, experiência profissional e titulação dos professores. 

“Não é qualquer instituição. Elas serão credenciadas especificamente para lato sensu, passando por todas as identificações necessárias de qualidade do corpo docente, de projeto curricular e de política institucional”, disse Curi.

Até que o processo para fazer essa análise prévia seja finalizado, porém, nenhum credenciamento especial será autorizado.

Outras novidades trazidas pela legislação são vistas com menor grau de polêmica pelos debatedores. Uma delas é a não obrigatoriedade da apresentação de um trabalho de conclusão de curso (TCC).

Segundo Roberta, do Semesp, os cursos podem agora exigir ao final a criação de uma startup ou a entrega de produtos e serviços, por exemplo, atividades que considera mais valiosas para o mercado.
Os debates do evento foram mediados pelo colunista da Folha Marcelo Leite.

Entenda as mudanças na pós-graduação lato sensu

Instituições que podem oferecer cursos lato sensu

Como era Desde 2011, o credenciamento especial para a oferta de cursos não era concedido a instituições não educacionais

Como ficou A nova resolução prevê a oferta de cursos por escolas de governo, institutos de pesquisa e empresas, desde que passem por avaliação

Trabalho de Conclusão de Curso (TCC)

Como era Especializações precisavam, necessariamente, ter um TCC ou monografia

Como ficou A lei não inclui mais exigência de entrega de TCC ou monografia e abre possibilidade para outros tipos de avaliação

Corpo docente

Como era Ao menos 50% do corpo docente de cursos lato sensu deveria ser constituído por mestres e doutores

Como ficou O número obrigatório de mestres e doutores caiu para 30% do corpo docente

Duração

Como era A duração mínima do curso era de 360 horas, sem contar o período de estudo
individual ou em grupo e de elaboração de monografia ou TCC

Como ficou ​O período mínimo de 360 horas passou a englobar tempo previsto para trabalhos e aplicação de avaliação

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