Mais consumidores querem ovos de galinhas felizes

Setor está em crescimento, mas esbarra no custo de produção, cerca de 25% mais alto do que no sistema tradicional

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São Paulo

A produção brasileira de ovos segue os métodos convencionais em 99,5% dos casos, segundo estimativas do setor. Apenas uma minoria de 0,5% cria galinhas livres.

Apesar de pouco expressiva, essa segunda parcela está provocando mudanças na indústria, que começa a se adaptar para atender à demanda de consumidores preocupados com a origem daquilo que vai para o seu prato —e com o bem-estar dos bichos.

O sistema, conhecido no mundo como “cage free” (livre de gaiola, em inglês), consiste em criar os animais soltos, com alimentação balanceada, água em abundância e espaço para circulação. Por isso é chamado também de criação de “galinhas felizes”.

Em uma granja convencional, as aves vivem em gaiolas pequenas, e seus bicos são cortados para evitar o instinto de ciscar para pegar alimentos na terra, segundo o Certified Humane Brasil, instituto de certificação de granjas que garantem bem-estar animal

Fazer ninho em lugar reservado, ficar no poleiro e tomar o chamado banho de areia são os outros comportamentos naturais das galinhas impedidos no sistema tradicional.

Galinhas soltas em gramado
Galinhas da Fazenda da Toca, em Itirapina, SP - Renato Stockler/Folhapress

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento não estabelece as normas que caracterizam um ovo de galinhas soltas e não produz dados sobre isso. 

Mas, com a exigência de empresas e consumidores de atestar uma rotina livre de gaiolas nas produções, marcas procuram certificadoras voluntariamente. 

O Certified Humane Brasil é o principal instituto a fazer esse trabalho no país e representa a Humane Farm Animal Care (HFAC), organização internacional de certificação do setor, na América do Sul.

Existente como empresa desde 2016 —antes, atuava em parceria com uma certificadora de produtos orgânicos—, o instituto vê crescer a procura pelos selos. Entre 2016 e 2018, foram quatro pedidos. Em 2019, já somam seis as empresas com processo feito e há outras encaminhadas ainda para este ano.

O custo de produção desse tipo de ovo chega a ser 25% maior que o normal, conta Luiz Mazzon, presidente da organização. A ração dada às galinhas nesse sistema não pode ter proteína animal, antibiótico ou qualquer promotor de crescimento. 

A população de animais nas granjas também tem que ser menor. Em um produtor tradicional, a densidade é de cerca de 20 galinhas por metro quadrado. Em uma granja certificada, esse número cai para sete a nove. 

O instituto faz um trabalho de rastreabilidade da produção, garantindo que os ovos enviados a outros espaços para serem embalados continuem sendo os mesmos produzidos nas fazendas. Treinamento de funcionários e inspeções periódicas também fazem parte da rotina. 

A primeira empresa brasileira a ter o certificado pelo Certified Humane Brasil foi a Korin, criada em 1994. “Na época, não existia esse conceito de bem-estar animal tão formal assim”, lembra o diretor-superintendente da Korin, Reginaldo Morikawa. “Mas a gente entendia que não era saudável ter galinhas presas”, afirma.

A marca produz 120 mil ovos por dia, mas estima que terá que aumentar esse número em pelo menos 50% para atender empresas que querem mudar seus insumos para os de galinhas soltas. 
A ideia é desenvolver para essa demanda ovos em pó —o produto passa por um processo de desidratação e tem uma maior vida útil. Morikawa afirma que a produção “cage free” é “um movimento que não tem volta”. 

Romeu Leite, produtor da Vila Yamaguishi, acredita que a regulamentação dos produtos orgânicos, a única categoria que tem lei própria, deu mais visibilidade a esse tipo de alimento —a certificação orgânica também prevê conforto e saúde dos animais. 

A marca começou antes da legislação, ainda em 1988, e hoje cria mais de 20 mil aves soltas, contabilizando mil dúzias de ovos por dia. A fazenda proporciona um ambiente o mais próximo possível do habitat natural das galinhas, com árvores frutíferas. 

Leite explica que, mesmo com uma maior valorização do consumidor, a empresa não pretende aumentar de tamanho. A ideia é incentivar fazendas menores da região a produzir dessa maneira. 

Não é essa a pretensão da Fazenda da Toca, que começou a produção de ovos orgânicos em 2011 e calcula um crescimento de 30% ao ano desde então. 

As galinhas recebem ração à base de milho e soja orgânicos, ciscam fora do galpão durante o dia e recebem tratamento homeopático, com 52 tipos de medicamento.

“Se olharmos para mercados mais desenvolvidos, como Europa e Estados Unidos, percebemos que essa realidade já existe”, diz Fernando Bicaletto, diretor da Fazenda da Toca. 

Ele, assim como outros produtores, afirma que não há grandes diferenças na qualidade dos ovos “cage free” em comparação com os de granjas convencionais. “O que atrai o consumidor é a questão do bem-estar animal”, afirma.

O investimento que combate o sofrimentos dos bichos não está restrito às marcas que nasceram sustentáveis.

A Mantiqueira, produtora de 6,5 milhões de ovos por dia, a maior da área no Brasil, incluiu em seu portfólio a linha Happy Eggs, produzida no sistema “cage free”.

O grupo começou essa produção há pouco mais de dois anos. Leandro Pinto, presidente da empresa, conta que o conceito estava no radar da marca desde 2012, quando ele visitou uma granja do Whole Foods, referência em produção sustentável, na Inglaterra. 

“Eu achava fantástico aquilo que eles estavam fazendo, e queria viabilizar isso para o Brasil”. Pinto também afirma que a empresa percebeu uma perda de vendas, atribuída à migração de parte dos consumidores para a categoria de ovos“cage free”.

A porcentagem de produção nesse sistema dentro da marca é de 5%, mas está prevista a construção de novas granjas. “Esse é o futuro em que nós acreditamos. Essa geração millennial está cada vez mais interessada nessas mudanças, em cuidados com os bichos”, diz Pinto.

A grande questão para tornar essa oferta mais expressiva é o preço, explica Elsio Figueiredo, pesquisador do Embrapa. “Os maiores consumidores de ovos no Brasil são pessoas de baixa renda, por isso a maior demanda é  por ovos baratos”, diz.

Ele afirma que há expectativa de crescimento no nicho. “O produtor tem interesse em agregar valor. Mas, se o consumidor quer um ovo mais barato, o que dá, ainda, é o de gaiola”, afirma Figueiredo.

Diferenças entre ovos de aves criadas soltas

‘Cage free’ 
O termo, que pode ser traduzido como livre de gaiolas, se refere à produção de ovos de galinhas soltas. As certificações também exigem que os animais sejam alimentados com ração de origem vegetal e fiquem em galpões com um espaço maior para circulação

Orgânico 
É o ovo de galinhas alimentadas por ração orgânica produzida na propriedade. A certificação também prevê que as aves sejam criadas soltas e em galpões com estrutura para o seu bem-estar 

Caipira 
Originalmente, o termo se refere ao ovo de galinha que não é do sistema comercial e, portanto, não é criada em granjas comuns. Os ovos apresentam formatos e tamanhos diferentes. A Associação Brasileira de Normas Técnicas criou uma norma em 2016 que aproxima os ovos caipiras dos “cage free”. Trata-se de uma produção em que os animais, além de soltos dentro do galpão e com espaço de circulação, também caminham no pasto

Fonte: Embrapa e Instituto Certified Humane Brasil 

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