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Novo marco legal do saneamento deve atrair investimentos bilionários

Empresas de dentro e fora do setor já procuram o BNDES

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São Paulo

O novo marco legal do saneamento básico aposta na captação de um investimento bilionário como solução para universalizar o serviço. Estimativas falam entre R$ 500 e R$ 700 bilhões.

Apesar da corrida para atrair capital já ter começado, ainda há insegurança sobre a capacidade de abranger a parcela da população que hoje não tem acesso à água tratada (35 milhões de pessoas) e à coleta de esgoto (104 milhões), segundo o Painel Saneamento Brasil de 2020.

A esteira da desestatização do setor teve início antes da sanção do novo marco. Há dois anos, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) capitaneia projetos de concessão e PPPs (parcerias público-privadas) que mudam o perfil de governança das executoras de saneamento.

Hoje, as empresas privadas representam parcela modesta entre as prestadoras do serviço. São apenas 3,6% das responsáveis pelo abastecimento de água, e 3,1% das executoras de coleta de esgoto, segundo a Pesquisa Nacional do Saneamento Básico de 2020.

O diretor de Infraestrutura, Concessões e PPPs do BNDES, Fábio Abrahão, diz que o banco examina 11 projetos de leilão de empresas estaduais e municipais de saneamento. O investimento total estimado é de mais de R$ 55 bilhões e a área somada abrange mais de 36 milhões de brasileiros.

Cerca de 40 investidores, nacionais e internacionais, mantêm conversas regulares com o BNDES sobre o tema, diz Abrahão. E o interesse após a aprovação do marco tem crescido por empresas que não eram da área.

Ainda que os municípios já pudessem buscar apoio do capital privado para gerir serviços de abastecimento de água e tratamento de esgoto, o novo marco, que exige licitações, impede que os gestores transfiram a responsabilidade para companhias estaduais sem que haja concorrência de empresas públicas e privadas.

Com o aporte legal, afirma o economista Fernando Camargo, da consultoria LCA, há mais incentivo e segurança para o investidor. E o leque de interessados tem crescido.

As companhias Equatorial Energia, CCR e Votorantim e o fundo Vinci Partners já sinalizaram interesse em investir na área. Em agosto, o Pátria Investimentos anunciou a captação de um fundo de R$ 10 bilhões para infraestrutura na América Latina. Ainda que a empresa não tenha tornado público o interesse, Camargo explica que certamente o saneamento foi um dos ingredientes do fundo.

Mesmo o endividamento público e a queda do PIB (Produto Interno Bruto) não afugentarão o investidor, afirma. “Estes são fatores importantes, mas isso muda na infraestrutura, principalmente em setores como o do saneamento, que têm uma demanda reprimida gigante e nos quais a qualidade do serviço oferecido é muito baixa”, diz.

Vetos presidenciais e pouco subsídio pesam na universalização

Ainda que o terreno para o investidor esteja bem pavimentado, há grande expectativa na regulação preparada pela ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico), que assume o papel de ditar normas de referência para as agências locais.

As atuais regulações são fragmentadas e diversas, o que incomodava investidores. As diretrizes começam a ser editadas apenas em 2021. Para atender à nova demanda, a ANA deve encorpar a equipe com 239 novos especialistas.

De acordo com Thiago Marrara, professor de direito administrativo da USP (Universidade de São Paulo) e consultor na área, os rumos da regulação serão importantes para consumidores e prestadores.

Por um lado, é preciso proteger o usuário de elevações exorbitantes no preço e da baixa qualidade do serviço. Por outro, deve ajudar na estruturação dos contratos e no mapeamento de boas práticas tecnológicas para o setor.

Apesar da relativa segurança na atração de investimento, existe incerteza sobre a capacidade de o novo marco assegurar a universalização.

A matéria já recebia críticas desde o início por parte de grupos opostos ao incentivo para o capital privado, mas agora soma preocupações em razão dos vetos feitos pela Presidência ao sancionar o conteúdo em julho.

Em documento enviado à Assembleia Geral das Nações Unidas, o pesquisador brasileiro Leo Heller, relator especial sobre água e saneamento da ONU (Organização das Nações Unidas), diz que privatizar o saneamento básico pode fragilizar o direito das pessoas ao serviço, ao colocar interesses privados na equação.

Investimentos limitados em áreas de baixa renda, pouca transparência nos processos decisórios e estruturação de um lobby corporativo em torno da pauta podem levar ao que ele chama de “sequestro de uma preocupação social para o campo econômico”.

O receio é de que isso aconteça no caso brasileiro. Com o conteúdo do novo marco, o relator da ONU defende que é preciso fortalecer a ideia de blocos. A atualização da lei prevê que estados e municípios possam se juntar para atrair empresas, tornando as cidades menores mais atraentes para o investidor. A estruturação vai depender de arranjos políticos dos prefeitos para se unir a áreas com maior infraestrutura e renda.

“É importante não permitir a privatização de nenhum sistema rentável isoladamente, e sim pensar em pacotes que não excluam”, diz Heller. “Senão iremos marginalizar, considerar que existem cidadãos de segunda categoria.”

Por isso, Marrara, da USP, vê com “maus olhos” o governo ter vetado vários artigos dessa lei “que exigiam ajuda da União aos municípios, inclusive financeiramente”.

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