Descrição de chapéu Vida cultural na pandemia

Campanhas online conseguem apoio do público para a cultura, mas em caráter de emergência

Casos de sucesso são ponto fora da curva; falta estratégia para que grupos artísticos e entidades firmem parcerias perenes

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

A área cultural brasileira sabe que, para garantir a continuidade de um projeto será preciso, cada vez mais, diversificar as fontes de recursos. Muitas instituições e grupos artísticos já vinham fazendo essa diversificação, mas o momento tornou isso uma necessidade premente.

"Já havia a necessidade de se buscar novos modelos de financiamento e se firmar mais parcerias com a sociedade civil. A pandemia acelerou o processo e obrigou instituições e artistas a encontrar soluções, muitas delas digitais", diz a gestora cultural e pesquisadora Ana Letícia Fialho, uma das autoras do estudo sobre doações de pessoas fícias, do Observatório do Itaú Cultural. "Algumas iniciativas pensadas este ano colocaram a relação de artistas e produtores com seu público em um novo patamar."

Ana Letícia observa que a doação da pessoa física para a área cultural envolve, quase sempre, relações de proximidade e de identificação. "É um campo onde há muito o que se explorar ainda, e essa ampliação passa, necessariamente, pela capacidade de comunicação. Falta, da parte das instituições, uma visão mais estratégica, para além do emergencial", diz.

Essa visão, por ora, está restrita a poucas instituições, em geral grandes, como a Fundação Bienal e a Osesp. Ambas têm trabalhos estruturados de captação de recursos de pessoa física. Com isso, têm conseguido alguns resultados.

José Olympio da Veiga Pereira, presidente da Fundação Bienal, reitera que, no caso da doação de pessoas físicas via incentivo fiscal, é preciso que haja, da parte das entidades, uma ação mais direta, com campanhas de conscientização. "Hoje, várias instituições realizam campanhas anuais de captação de receitas por meio desse mecanismo, caso da Fundação Bienal", diz.

Este mês, todos aqueles inscritos no site da Bienal receberam um e-mail que fala sobre a possibilidade de apoiá-la por meio do Imposto de Renda.

Apesar de a programação antecipatória da 34ª Bienal ter sido adiada, a fundação não perdeu nenhum dos apoios previstos e criou a campanha chamada A bienal tá on, que ampliou ações digitais com encontros virtuais de artistas e curadores, minicursos, visitas a ateliê em vídeo etc.

"Conseguimos, durante a pandemia, estabelecer relacionamentos com novos parceiros que poderemos anunciar muito em breve", diz Pereira.

No caso da Osesp, o trabalho de captação tem como foco as ações educacionais da orquestra —que vão da Academia Osesp, que forma músicos profissionais, ao projeto Descubra a Orquestra, que atende crianças da rede pública de ensino. Segundo Marcelo Lopes, diretor da Fundação Osesp, 90% dos doadores fazem uso do incentivo fiscal. E, este ano, por causa da pandemia, uma nova forma de doação surgiu: a dos ingressos vendidos antecipadamente.

Para quem nunca havia se estruturado para buscar doações, a crise desvendou um potencial que, até 2020, tinha passado despercebido. Apesar de, no caso das campanhas online de apoio, as doações terem um caráter mais emergencial que perene, elas evidenciam que essa relação pode ser melhor explorada.

Eduardo Tolentino de Araújo, diretor do grupo Tapa, que foi fundado em 1974 e sempre viveu da bilheteria, não esperava que a campanha O Grupo Tapa Precisa da Sua Ajuda Para Não Fechar as Portas tivesse o retorno que teve.

Tolentino ficou impressionando, primeiro, com a mobilização dos artistas que, em algum momento de suas carreiras, passaram pelo Tapa e que fizeram vídeos de apoio. Foram mais de 130 depoimentos pedindo ajuda para o grupo. "A gente arrecadou o triplo do que esperava —que é um terço do que a gente precisava", diz. A campanha previa desde a compra antecipada de ingressos até recompensas, como uma série de vídeos do grupo.

As pessoas doaram o que puderam. Teve uma que doou R$ 3; outra, R$ 8.000; outros ainda passaram a fazer contribuições mensais.

Com o fechamento do teatro, o grupo começou a ter uma vida digital bem mais ativa. Além das apresentações, passou a recomendar ao seu público peças online disponíveis nos mais diversos países.

"A gente tem uma atividade que depende do público. E a pandemia mostrou que a relação do público com o grupo é profunda. Nesse sentido, acho que vamos sair fortalecidos", diz Tolentino.

Salas de cinema do circuito de arte também vivenciaram, nos meses em que tiveram de permanecer fechadas, experiências de grande solidariedade. O Grupo Estação, no Rio, tornou-se campeão do Benfeitoria com a campanha Continua Meu, Estação. A meta inicial, de R$ 300 mil, garantiria que toda a equipe fosse mantida. A meta mais alta, de R$ 700 mil, asseguraria não só a reabertura como a criação de uma plataforma de vídeo sob demanda. Foram arrecadados R$ 737 mil e mobilizados 4.500 doadores.

Outras duas salas que ultrapassaram a meta no Benfeitoria foram o Cine Belas Artes de Belo Horizonte e o Cine Belas Artes de São Paulo. O primeiro pediu R$ 10 mil e chegou a R$ 61 mil; o segundo precisava de R$ 200 mil para se manter aberto, e conseguiu um total de R$ 267 mil, doados por cerca de 2.500 pessoas.

Apesar de significativos, esses exemplos têm pouca relação com o modelo de doação via Imposto de Renda, que tende a repetir-se anualmente e pode ultrapassar gerações e mobilizar valores altos.

"As experiências bem sucedidas no universo virtual ainda são pontos fora da curva", pontua Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural. "Algumas experiências mobilizaram as pessoas pelo afeto. A questão é como isso se dará daqui para a frente. E, apesar de muita gente ter conseguido monetizar seus projetos, a maioria dos profissionais da cultura está dependendo da Lei Aldir Blanc. Por isso, sempre dizemos que a cultura precisa ter uma multiplicidade de fontes de recursos."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.