Descrição de chapéu Doenças Raras 2021

Raros sentem falta de serem ouvidos e bem orientados

Preconceito e ausência de políticas públicas deixam pacientes sem informações sobre o tratamento

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

A jornada da influenciadora digital Amanda Amaral para descobrir que tinha esclerodermia sistêmica, doença autoimune, foi de pouca escuta e muitos prognósticos que não se confirmaram. “Eu não falava, só absorvia mensagens”, diz.

Aos 15, ouviu de um médico que teria no máximo cinco anos de vida. Hoje está com 25 anos, é mãe e casada. Compartilha com mais de 300 mil seguidores virtuais dicas de maquiagem e cuidados, além de como é o cotidiano de um paciente raro.

Na internet ela tenta impulsionar algumas das coisas de que mais sentiu falta no périplo de oito anos entre começar a manifestar os sintomas e ser diagnosticada com a doença: informação adequada, mensagens de esperança e a importância de ouvir o outro.

“Quando explico o que é [a esclerodermia sistêmica], as pessoas mudam completamente o comportamento”, conta. O estigma e o preconceito dão lugar à empatia.

O relato de Amanda foi feito durante o segundo seminário Doenças Raras, promovido pela Folha na última quinta-feira (25).

O que a jovem vivenciou é semelhante à realidade da maioria dos pacientes raros, afirma Aline Albuquerque, coordenadora geral do Observatório de Bioética e Direitos dos Pacientes da pós-graduação da UnB (Universidade de Brasília).

Segundo a pesquisadora, é preciso trabalhar uma abordagem humanizada com foco nos direitos de não ser discriminado, de participar e de ter a informação necessária.

A tendência de colocar de escanteio essas pessoas na hora de tomar decisões e entender a própria doença tem início já no atendimento médico, como mostrou o relato de Amanda.

“É importante que o paciente e o cuidador sejam empoderados e ouvidos no encontro com o profissional de saúde”, frisa Albuquerque.

Além de serem ouvidos, eles devem compreender a doença, o que só pode ser feito com informações acessíveis. “Seria importante que o Brasil tivesse um programa, como há nos Estados Unidos, de letramento dos pacientes, no qual eles aprendessem a decifrar a linguagem da saúde, a entender e a lidar com a sua doença.”

O sentimento de desamparo também está relacionado ao poder público Quando foi diagnosticada com AME (atrofia muscular espinhal) tipo 3, uma doença genética e progressiva, Laissa Guerreira, 15, e a mãe já sabiam que o futuro não seria fácil.

“O problema é a falta de políticas públicas ativas para os pacientes de doenças raras e o preconceito, que trazem frustrações e deixam o lado psicológico abalado”, conta a jovem, que é atleta paraolímpica de bocha, modalidade na qual os competidores, cadeirantes, lançam bolas coloridas o mais perto possível de uma branca.

Além da demora no diagnóstico —Laissa teve os primeiros sintomas com dois anos de idade, mas só foi diagnosticada aos oito—, as dificuldades surgiram no acesso ao medicamento. A família teve que acionar a Justiça.

​Para Antoine Daher, presidente da Federação Brasileira das Associações de Doenças Raras da Casa Hunter, ONG que reúne pais de crianças raras, a necessidade de judicializar o tratamento é consequência da falta de implementação de políticas públicas adequadas.

“Hoje falam que a judicialização impacta no orçamento público, mas o problema é de má gestão”, diz.

O empresário é pai de um menino portador de mucopolissacaridose do tipo 2, doença genética degenerativa também conhecida como síndrome de Hunter. Na experiência pessoal, viveu uma saga de três anos e meio até que o filho obtivesse o diagnóstico. Com o trabalho ao lado de outras famílias na Casa Hunter, entendeu que sua história não era a exceção, mas sim a regra.

O problema começa, diz, na demora para que a criança seja encaminhada a um especialista. Como muitas famílias acessam apenas o pediatra e este, muitas vezes, desconhece a doença, é um longo período até que o paciente seja encaminhado a um geneticista ou neurocirurgião, por exemplo.

“Isso acaba adiando o diagnóstico verdadeiro (...) O problema é que a degeneração nessas doenças é muito rápida, e os pacientes, muitas vezes, não têm esse tempo.”

Feito o diagnóstico, o próximo entrave é a demora para que a criança seja atendida pelo departamento de genética dos hospitais, o que, segundo Daher, costuma levar um ano. Até que seja encaminhado para toda a equipe multidisciplinar —fisioterapeutas, psicólogos, dentistas, entre outros— vão-se mais um ou dois anos.

Na pandemia, Daher recebeu muitos relatos de falhas, atrasos e mesmo rupturas na entrega dos medicamentos já disponíveis no SUS (Sistema Único de Saúde).

A experiência o fez perceber a importância de mais centros de referência adequados, além dos já existentes em universidades, que ofereçam tratamento multidisciplinar especializado em doenças raras.

A Casa Hunter, ao lado do Instituto Genética para Todos, outra organização não governamental, está construindo a Casa dos Raros, um centro de atendimento integral e treinamento em doenças raras, na capital gaúcha, Porto Alegre. A ideia é a que a estrutura física esteja pronta até o final deste ano.

O seminário foi mediado pela repórter especial Cláudia Collucci e teve patrocínio dos laboratórios Sanofi e Roche e do Grupo Pardini/DLE.


ASSISTA AOS DEBATES DO SEMINÁRIO:


  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.