Descrição de chapéu Seminário Doenças Raras

Maior especialista em doença rara é o paciente, defendem debatedoras

Protagonismo de portadores de doenças raras e papel de associações de pacientes foram discutidos em seminário promovido pela Folha

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São Paulo

Bruna Rocha Silveira, 33, recebeu aos 14 anos o diagnóstico de esclerose múltipla, doença rara que afeta o sistema nervoso central. Na ocasião, leu na internet que sua expectativa de vida era de dez anos, que nunca poderia ter filhos e que terminaria em uma cadeira de rodas.

Hoje está casada com o historiador Jaime Júnior, que tem um tipo ainda mais raro de esclerose múltipla, é professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e mãe de Francisco, que tem 3 anos. Bruna também é vice-presidente de uma associação de pacientes com esclerose múltipla, a AME (Amigos Múltiplos pela Esclerose).

"Viver com uma doença crônica e incurável é viver com dor, com medo e com inúmeras adaptações, mas é também perder, muito antes que a maioria das pessoas, a ilusão de que a gente tem o controle da nossa vida", afirmou durante o Seminário Doenças Raras, realizado pela Folha nesta terça-feira (3) em São Paulo.

Francisca Sales (esq.), portadora de neuromielite óptica desde dezembro de 2013, Bruna Rocha Silveira, vice-presidente da AME (Amigos Múltiplos pela Esclerose) e portadora de esclerose múltipla desde 2000, Ana Maria Martins, médica, doutora em pediatria e professora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), e Cláudia Collucci, repórter especial da Folha - Keiny Andrade/Folhapress

Na AME, Bruna assumiu o compromisso de, com toda a equipe da associação, oferecer acolhimento e informação de qualidade a milhares de outros pacientes com esclerose múltipla no Brasil. Não há dados oficiais sobre o número de pacientes porque a esclerose múltipla não é de notificação obrigatória, mas a estimativa é que cerca de 35 mil pessoas tenham a doença no país.

Para a educadora, as associações de pacientes são negligenciadas pelos órgãos oficiais, que não as consideram no processo de tomada de decisões. "O diálogo com o Ministério da Saúde não existe", afirmou, incluindo na lista a Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde) e a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).

A Conitec é responsável pela adoção de novos medicamentos, produtos e tratamentos no SUS, e a ANS é a agência que regulamenta o sistema privado de saúde.

"As associações de pacientes são fundamentais porque o maior especialista sobre uma doença rara é quem tem ela", disse a médica Ana Maria Martins, doutora em pediatria e professora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) durante o debate. No Brasil, são consideradas raras as doenças que afetam até 65 pessoas em cada cem mil indivíduos.

Ana Maria reconhece a importância do papel das associações de encaminhar pacientes com doenças raras aos médicos especializados. Segundo ela, existe um déficit na formação acadêmica dos cursos de medicina, responsável por formar gerações de médicos sem conhecimentos básicos sobre doenças raras. "Médicos que cuidam de doenças raras também são raros", avaliou.

A falta de conhecimentos específicos dos médicos sobre doenças raras foi o que levou Francisca Sales, 29, a consultar 14 médicos de diferentes especialidades para tentar descobrir a causa de uma falha no sistema urinário, em 2013.

Ela foi submetida a exames solicitados por urologistas, nefrologistas, neurologistas e psiquiatras. Entre tratamentos e diagnósticos equivocados, Sales foi levada a acreditar que era portadora de esclerose múltipla e chegou a tomar medicamentos indicados para pacientes esquizofrênicos.

O diagnóstico correto, porém, só veio em 2017, quando ela soube que tinha neuromielite óptica, doença inflamatória do sistema nervoso central que afeta principalmente os nervos ópticos e a medula espinhal, ocasionando perda de visão, mobilidade reduzida e alterações nos sistemas urinário e digestivo.

No debate, Francisca contou que perdeu a visão do olho direito e das pernas e tem parte do sistema digestivo paralisado. "Até para tomar uma água eu preciso de remédios", disse.

Por ser considerada rara mesmo entre as doenças raras, a neuromielite óptica ainda não tem uma associação de pacientes no Brasil. De acordo com o Orphanet, uma base de dados internacional especializada em doenças raras, a cada cem mil indivíduos, 1,2 tem a doença.

Ainda segundo o Orphanet, 30% dos pacientes com neuromielite óptica podem morrer nos primeiros cinco anos após o diagnóstico. Sales já superou essa estatística, mas luta pela criação de uma associação especializada para aumentar o protagonismo dos pacientes no debate público sobre doenças raras.

"Pessoas dos quatro cantos do país me procuram porque eu consegui passar desses cinco anos e luto ao máximo e faço tudo o que for necessário para que os pacientes de doenças raras tenham voz".

Durante o debate, também foi exibido um depoimento de Ana Clara Schindler, 26, designer formada pela ESPM e portadora de atrofia muscular espinhal. Veja o vídeo abaixo.

Organizado pela Folha e patrocinado pelo Grupo Pardini e pelos laboratórios Sanofi e Pfizer, o evento aconteceu no Museu da Imagem e do Som, em São Paulo. A mediação foi realizada por Cláudia Collucci, repórter especial da Folha.

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