Descrição de chapéu 2º Seminário Open Banking

Contas para receber auxílio não eliminam exclusão financeira

A maioria dos 10 milhões de novos correntistas surgidos desde o início da pandemia continua sem usufruir da bancarização

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Philippe Scerb
São Paulo

O pagamento do auxílio emergencial e a difusão de bancos e operações digitais, como o Pix, ampliaram a parcela de brasileiros com algum tipo de conta bancária, mas esse processo não deve ser confundido com uma efetiva inclusão financeira.

A maioria dos cerca de 10 milhões de novos correntistas surgidos desde o início da pandemia (dados de outubro do Banco Central) continua sem usufruir de recursos típicos da verdadeira bancarização, como acesso a crédito, poupança e meios de pagamento. Sem esses benefícios, é provável que uma parte significativa deixe de movimentar ou feche a conta quando o programa de auxílio for encerrado.

Pesquisa do Instituto Locomotiva com 1.500 pessoas mostra que, especialmente nas classes D e E, as contas só servem para receber e sacar dinheiro —o que explica por que a circulação de dinheiro vivo no país também cresceu com o auxílio, passando de R$ 214 bilhões em março a R$ 309 bilhões em dezembro de 2020, segundo dados divulgados pelo BC.

Os fatores que contribuem para o uso restrito dos bancos vão de decisões práticas (como o desconto a quem paga em dinheiro vivo) a convicções e hábitos moldados pela desconfiança ou pelo medo de descontrole financeiro.

A pesquisa revela, por exemplo, que para 38% dos sem banco, é mais seguro guardar dinheiro é em casa. “A impressão é de que se o cartão de débito for perdido ou roubado, tudo o que foi poupado pode desaparecer”, diz Renato Meirelles, fundador do Data Popular e hoje presidente do Instituto Locomotiva.

“Essa insegurança aumenta quando, depois de abrir a conta, a primeira oferta que a pessoa recebe é a de fazer um seguro contra perda ou roubo do cartão.”

Usar dinheiro vivo também costuma ser visto como forma de controlar o orçamento. “Se o valor dos produtos colocados no carrinho excede o recurso levado em espécie, a única alternativa é deixar parte deles no mercado. Com o cartão, é maior o risco de perder o controle”, diz.

Mas, a julgar pela pesquisa, o maior obstáculo continua sendo a percepção de que manter uma conta custa caro demais. Dois terços dos entrevistados concordam com a afirmação de que os bancos cobram muitas tarifas e que quanto menos usar, melhor. Apenas 17% discordam.

Nesse sentido, bancos sem agências e inovações como o Pix devem ajudar na inclusão ao reduzir taxas e difundir serviços antes inacessíveis.

Mas Lauro Gonzalez, coordenador do Centro de Microfinanças e Inclusão Financeira da Fundação Getulio Vargas, acredita que os principais beneficiários da multiplicação de instituições financeiras digitais são os chamados “mal servidos”, gente que já era correntista, mas não dispunha de acesso a crédito e a diferentes meios de pagamento.

Gonzalez prefere “ver o copo meio cheio”. Considera que esse processo tem expandido o atendimento bancário, mas lembra que os excluídos, gente que não conta sequer com um grau limitado de bancarização, permanecem à margem do sistema em decorrência de outra exclusão, a digital. Segundo o IBGE, até 2019, 40 milhões de brasileiros não tinham acesso à internet.

“Com a adoção de novas tecnologias, inclusão financeira e inclusão digital passaram a andar de mãos dadas. Enquanto tivermos um grupo importante de pessoas sem acesso à internet no Brasil, teremos muita gente desprovida de serviços bancários essenciais”, diz Gonzalez.

Por outro lado, os excluídos mobilizam uma quantidade expressiva de recursos. Os 16 milhões de brasileiros sem conta bancária movimentam R$ 174 bilhões por ano, segundo a pesquisa do Locomotiva. Sua inclusão, portanto, representa um grande potencial de negócios, e se algumas instituições financeiras têm atraído os mal servidos, outras estão de olho nesses totalmente desbancarizados.

É o caso do banco digital Will Bank. Cético quanto à inclusão promovida pelo pagamento do auxílio emergencial, seu fundador, Felipe Felix, afirma que um caminho para a efetiva bancarização dos excluídos passa pela oferta de crédito, um serviço valorizado que não chega a essas pessoas. Cerca de 40% dos clientes aprovados pelo Will Bank não tinham qualquer tipo de cartão de crédito.

Segundo Felix, a economia de gastos garantida pela tecnologia permite à instituição atender clientes que não são economicamente vantajosos para um banco tradicional, obrigado a custear ampla rede de agências e funcionários.

“Com uma estrutura operacional enxuta, conseguimos oferecer crédito para uma pessoa que não seria aprovada por um banco convencional. Nossos clientes gastam, em média, somente R$ 700 no cartão, e o crédito acaba sendo para eles uma porta de entrada no sistema financeiro, onde vão acabar acessando outros produtos e serviços.”

Felix reconhece que o acesso limitado à internet representa um obstáculo à bancarização, mas acha que o hábito de compartilhar recursos escassos, corriqueiro entre as camadas populares, pode ajudar a contornar o problema. “As pessoas estão acostumadas a dividir o celular, a internet, o cartão de crédito. Se o serviço atender a uma carência do cliente, ele pode contar com familiares e amigos para acessá-lo.”

Outro caminho para a inclusão financeira é o chamado micro investimento. Embora até gostassem de deixar o dinheiro no banco, os mais pobres são muitas vezes dissuadidos por taxas que consomem parte das reservas.

O banco digital Grão busca driblar o problema com uma conta isenta de tarifas e que rende 100% do CDI, portanto mais do que a poupança. “Muita gente acha que investir é para rico, por isso nós usamos o termo ‘guardar’. As pessoas ficam impressionadas quando seu dinheiro rende o primeiro centavo”, diz a fundadora da fintech, Monica Saccarelli.

Ela diz que sua empresa não disputa clientes com os bancos, onde as taxas costumam assustar. “Nosso concorrente é a casa da pessoa, a lata de Nescau, o bom e velho colchão. Nosso objetivo é mostrar que, em vez de pagar ao banco, ele pode guardar para si e ainda ganhar com isso.”

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