Com o avanço do digital, marcas transformam lojas em espaços de experiência

Mercado tenta descobrir o que o cliente espera do ponto de venda, como montar styling ou ter contato humano

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São Paulo

Por trás do rastro de destruição deixado pela pandemia —que resultou no fechamento de 22,3 mil lojas de moda no país em 2020, segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo— , está uma conta que há tempos o varejo brasileiro evita revisar.

Nova fachada do centro de compras de luxo La Samaritaine, em Paris, que reabriu em junho após permanecer fechado por 16 anos 
Nova fachada do centro de compras de luxo La Samaritaine, em Paris, que reabriu em junho após permanecer fechado por 16 anos  - Ludovic Marin - 8.abr.2021/AFP

As restrições impostas pela Covid-19 aceleraram a busca por respostas quanto à utilidade das lojas físicas. O mercado tenta descobrir o que de fato fará os consumidores abrirem a carteira, em um horizonte saturado de opções no celular —plataforma responsável por 55,1% dos 87,4 bilhões que o ecommerce movimentou em vendas no ano passado, de acordo com relatório da consultoria E-bit Nielsen.

No caso específico da moda, tão volátil quanto os humores de quem se viu impedido de sair às ruas, o primeiro fator dessa nova equação é que os pontos físicos, com araras, manequins e vendedores, podem estar com os dias contados. Experiência, mais do que nunca, é a palavra de ordem.

Foi ela que fez, por exemplo, o grupo francês LVMH decidir não esperar a volta do fluxo de turistas asiáticos, que costumam movimentar o mercado parisiense, para reabrir a La Samaritaine.

O centro de compras centenário, adquirido em 2001 pelo conglomerado dono da Louis Vuitton, ficou fechado por 16 anos e foi reinaugurado em junho, após uma reforma faraônica que custou € 750 milhões (R$ 4,5 bilhões) à companhia --e que tornou o local tudo, menos uma loja.

Hotel de luxo, 96 apartamentos, bares, restaurantes com estrelas no Guia Michelin e, claro, lojas de moda e joalherias, compõem o espaço, que não é nem shopping nem loja de departamentos, mas sim uma espécie de cápsula de autoindulgências para um consumidor de luxo.

Algo em escala menor ocorre em São Paulo. O grupo JHSF, dono do shopping Cidade Jardim, abriu em dezembro o CJ Shops, um complexo de moda e gastronomia com cara de mansão que é quase um anexo do hotel Fasano, nos Jardins.

Aglomeradas em uma das arestas do que se convencionou chamar quadrilátero do luxo paulistano, as marcas se organizam em espaços pequenos para atender a uma demanda do próprio bairro.

"Olhamos formas diferentes de experimentar novos resultados. A região é muito adensada de clientes com alta renda e, desde que ofereçamos uma experiência melhor do que a rua, o negócio faz sentido para nós", explica o diretor-presidente do JHSF, Thiago Alonso.

Para as grifes, o local funciona também como outra opção para a entrega de produtos comprados online no marketplace do grupo, o CJ Fashion. A facilidade, diz Alonso, está ligada à economia de tempo, um dos novos fundamentos trazidos pela pandemia.

“O consumidor passou a valorizar mais a expressão ‘qualidade de vida’. Temos de pensar como as ferramentas digitais, que nos foram oferecidas quase de maneira impositiva, podem ser usadas para melhorar esse dia a dia.”

Não é coincidência que as marcas estejam criando seus locais de convivência. Próximo ao CJ Shops, na segunda-feira (9), a estilista mineira Patricia Bonaldi abrirá o novo espaço da sua grife PatBo.

É, na verdade, um lugar onde reunirá outras marcas, como a Apartamento 03, de seu grupo Nohda, além de grifes de sapatos, decoração e joias.

CJ Shops, um complexo de moda e gastronomia com cara de mansão que é quase um anexo do hotel Fasano, nos Jardins
CJ Shops, um complexo de moda e gastronomia com cara de mansão que é quase um anexo do hotel Fasano, nos Jardins - Divulgação

Um café da bandeira mineira Frau Bodan completa a área que, antes, pertenceu à loja de fast fashion Forever 21. A mudança sinaliza o espaço que o consumidor quer frequentar.

“Loja não é mais o lugar onde você vai pegar roupa, mas onde recebe explicação sobre ela, monta o styling e tem o contato humano. Temos de considerar esses espaços como lugares vivos”, afirma a empresária, que pretende levar o conceito a Goiânia, Brasília e Belo Horizonte.

A meta de não deixar o ecommerce suplantar a experiência ao vivo —ainda que na pandemia o digital tenha crescido 300% na operação da PatBo—, fez ela dar um passo maior. No fim do mês, a estilista abre a primeira loja fora do país, no Soho, região fashionista de Nova York (EUA).

Não dá para achar que só a digitalização do varejo seja o futuro. Não é porque um modelo foi mal [o físico] que o outro irá melhor. São propostas diferentes para produtos diferentes. Se a roupa precisa ser vista e tocada para fazer sentido, como é o meu caso, o físico é primordial”, diz Bonaldi.

O que a moda deve perceber a partir de agora é que não se vende mais roupas, mas um estilo de vida. E, por isso, uma das marcas mais bem-sucedidas do país, a Reserva, mudou a arquitetura de suas lojas para dividir em blocos cada segmento de sua oferta. A ideia é conectar os produtos à experiência virtual, um híbrido que, de acordo com o empresário Rony Meisler, é extensão da jornada de consumo.

“Houve um ‘big bang’ no varejo. A pandemia nos provou que o consumidor está em todos os lugares, que não foram as marcas que viraram ‘omnichannel’ [termo usado para definir a integração dos canais de vendas], mas sim as pessoas”, diz o diretor-executivo do braço de “lifestyle” do grupo Arezzo, o AR&Co, do qual a Reserva faz parte.

Para ele, isso significa que uma marca hoje não deve apenas olhar para a digitalização de seus estoques, mas para tudo o que engloba essa experiência, desde a usabilidade e o marketing digital até o impulso de vendas pelas redes sociais, como TikTok e Instagram.

“Quem pensa em vender para millennials ou para a geração Z não pode deixar de estar ali, porque a relação com as marcas começa nessas plataformas. O desafio é fazer esse negócio não ser apenas escalável, mas lucrativo”, afirma.

No fim, toda essa história sobre o modelo de venda vai depender da estratégia de cada marca, porque “abrir loja só para abrir loja”, diz Meisler, “isso não existe mais”.

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