Desigualdade desafia avanço do mercado de streaming

Por outro lado, pandemia impulsiona criação de plataformas de acesso gratuito por instituições públicas e privadas

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São Paulo

O isolamento social intensificou o uso de serviços de streaming pelos brasileiros, mas a expansão desse setor enfrenta disparidades entre as regiões do país e barreiras da desigualdade.

Em outra frente, a ruptura da pandemia do novo coronavírus precipitou o desenvolvimento de plataformas de acesso gratuito de instituições públicas e privadas, que foram obrigadas a suspender suas atividades presenciais.

Segundo pesquisa Itaú Cultural/Datafolha, 71% dos entrevistados têm acesso a vídeos sob demanda em casa. A Netflix lidera o mercado, com 62%, seguida por Amazon (27%), Globoplay (24%), Disney Plus (16%), Telecine (14%), Now (7%) e Mubi (3%).

Mulher segura o corpo de homem que parece desacordado
Ícaro Silva e Vaneza Oliveira em ‘Noturnos’, série original do Canal Brasil - Emiliano Capozoli/Divulgacao

Dentre os usuários da Netflix, 10% iniciaram o acesso na pandemia; esse crescimento foi ainda maior na Amazon (13%) e Globoplay (11%).

Antes da epidemia, o processo de queda no número de assinantes exigia dos canais fechados a criação de alternativas de oferta de conteúdo em serviços de streaming.

O Canal Brasil vem oferecendo a sua grade no Globoplay e em plataformas de operadoras de internet.
O diretor-geral do Canal Brasil, André Saddy, afirma que a audiência cresceu durante a pandemia e a migração para o streaming deve ser gradual. “Houve um processo de acúmulo da frente de oferta. Ainda existe uma base muito forte de TV por assinatura”.

Saddy conta que, em março de 2019, o canal mudou a sua grade e viu crescer a audiência. “Em fevereiro de 2020, tivemos a terceira maior audiência de nossa história. Isso se intensificou na pandemia: 2020 foi o ano em que mais se assistiu cinema brasileiro. Com a reabertura, a notícia boa é que tem uma retração, mas a audiência continua melhor. Na pandemia, aproveitamos para atrair mais gente para o canal. Nosso desafio é manter essas pessoas”.

A Embaúba Play, plataforma de filmes brasileiros sediada em Minas Gerais, com mais de 420 títulos, não concorre com as gigantes do setor e tem desafios associados às limitações econômicas históricas do cinema brasileiro. O crescimento do uso do streaming é “um processo que vinha em curso antes da pandemia”, diz o diretor da empresa, Daniel Queiroz.

A Embaúba também distribui filmes como “Arábia”, de Affonso Uchôa e João Dumans. Para entrar no mercado de assinatura mensal, ela precisaria ter um grande volume de renovação de conteúdo.

“Os resultados de locação são pífios, muito aquém, insuficientes para manter os custos básicos da plataforma.”

A tendência maior é o conteúdo gratuito ou a assinatura mensal, diz Queiroz, que tem uma trajetória em curadorias de mostras. ‘‘O aluguel filme-a-filme não está pegando no Brasil. Mesmo no Now, que tem o maior volume de locações, o retorno é pequeno. Representa 10% ou 20% do que o filme alcançou em cinema.”

Nessa fase de distanciamento social, ganharam visibilidade serviços gratuitos de instituições culturais impedidas de abrir seus espaços.

A Itaú Cultural Play foi uma das plataformas de streaming gratuitas lançadas na pandemia, com 135 filmes brasileiros, entre curtas e longas de gêneros como ficção, documentário e animação, contemplando a produção de 26 estados dos país. Outros exemplos são a Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e o Sesc-SP, que promoveu a série Cinema #EmCasaComSesc.

Homem sentando conversa com outro que esté em pé, ao lado de caixas
Aristides de Sousa e Carlos Francisco em cena do filme brasileiro ‘Arábia’, baseado em conto de James Joyce - Divulgação

“Foi uma surpresa. Não esperávamos esse alcance. Nossa sala presencial tem 180 lugares. No canal digital, tivemos 100 mil visualizações”, diz o gerente da Cinemateca do MAM Rio, Hernani Heffner.

“Como dar acesso à memória audiovisual brasileira e mundial, como democratizar? A ferramenta digital amplia o acesso. E democratiza.”

Na programação virtual, a Cinemateca exibiu “Feminino Plural”, de Vera de Figueiredo, que não era mostrado desde 1976. Com uma visão feminista pioneira, o filme atingiu três mil visualizações.

Heffner crê na permanência do valor da sala física, ainda que seja uma experiência para poucos e restrita a uma cidade, enquanto a plataforma digital alcança espectadores em dezenas de países. “O filme circula de maneira digital. Você democratiza etariamente e diversifica a programação. O digital é outra lógica, é um processo que está no início. Com um pouco mais de experiência e recursos, a gente vai democratizar mais ainda.”

O consumo dos serviços de vídeo sob demanda ainda é maior entre as pessoas com idade entre 17 e 25 anos (44%) e de 30 a 45 anos (48%).

A desigualdade social limita o mercado de streaming. Nas classes A e B, o acesso chega a 94%; nas D e E, 43%. As diferenças regionais são grandes: Sudeste, 76%, Nordeste, 61%. “Há cidades em que não consigo passar ‘Arábia’, poucas cidades do interior têm salas. A internet permitiria acesso a esse público”, observa Queiroz.

“Aí vem a questão financeira. Menos de 10% da população brasileira vai ao cinema. A internet amplia esse público, mas muita gente não tem internet para esse uso. É excluída até no online”, diz.

A oferta de conteúdo nacional —outro nó— parece ser mais ampla em canais tradicionais. “Sabemos dos diretores novos, das novas séries em Recife, Porto Alegre, Brasília. Percebemos a riqueza cultural nesses estados. Temos séries de Pernambuco”, diz Saddy.

O Canal Brasil co-produziu, entre outros, “Bacurau”, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, vencedor do prêmio do júri em Cannes.

O represamento do fundo da Ancine (Agência Nacional do Cinema) no governo Jair Bolsonaro compromete investimentos em séries e filmes de canais e plataformas do país.

“A nossa capacidade de produção é diferente da de qualquer plataforma estrangeira em razão da questão cambial”, afirma Saddy. “O que me preocupa é o que vai acontecer daqui a três anos”.

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