Programas de fomento têm recordes de inscrições em SP e no RJ

Aumento é reflexo da paralisação do setor e da falta de auxílio em nível federal, diz Sérgio Sá Leitão

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São Paulo

Produtor cultural há mais de 20 anos, José Renato Almeida, 50, tinha acabado de captar recursos via leis de financiamento público para dois projetos de dança quando a pandemia fechou as portas dos espaços culturais, em março do ano passado.

“Ficamos numa incógnita, mas após dois meses percebemos que não seria uma situação passageira, teríamos que nos adaptar para o online.”

Um dos projetos, um solo do bailarino e coreógrafo Ricardo Gali, que seria apresentado em cidades do interior paulista, foi transformado numa performance em vídeo, gravado na casa do artista, com uma iluminadora e um videomaker.

Espetáculo 'O Homem sem um Nome', de Ricardo Gali, adaptado para o online na pandemia
Espetáculo 'O Homem sem um Nome', de Ricardo Gali, adaptado para o online na pandemia - Reprodução/Companhia Perversos Polimorfos no Youtube

O caso não é isolado. Profissionais da cultura tiveram que alterar projetos às pressas para as telas, alguns com improvisos no estilo “coloca o celular, aperta play e vai”.

Um dos desafios desse novo formato é a monetização, em um setor que foi um dos mais afetados pela crise e que, com a paralisação dos eventos, dependeu muito dos editais.

Tal necessidade é refletida no boom de inscrições no ProAC (Programa de Ação Cultural do estado de São Paulo) deste ano: recorde de 41.817 projetos, ante 9.549 em 2020, um aumento de 338%.

O número considera os programas de fomento ProAC Expresso Editais e ProAC Expresso Direto 2021. O primeiro recebeu 19.655 inscrições, alta de 133% em comparação às 8.407 do ano anterior. O segundo, que substituiu o ProAC Expresso ICMS, teve 22.162 candidaturas, índice 1.845% superior ao de 2020, quando foram registradas 1.139.

A substituição do modelo ICMS, que é um programa de incentivo fiscal, foi anunciada em janeiro, mas o governo recuou, e promete voltar com o formato já em 2022. A mudança, feita sem a participação da classe artística, foi criticada pelo setor.

Para esses dois programas, foi estipulado um orçamento de R$ 182 milhões, que faz parte do investimento recorde de R$ 200 milhões do governo estadual —a parte referente à Lei Aldir Blanc é de R$ 18 milhões.

Cada proponente pode inscrever até dois projetos num mesmo edital, e não há impedimento em registrar esses mesmos projetos em outros editais —se contemplado, é preciso escolher um.

Para o produtor cultural José Renato Almeida, esse aumento reflete a forte demanda do setor frente a pouca oferta de programas de fomento. “Mas há um incentivo desenfreado para que as pessoas inscrevam um número imenso de projetos para o governo dizer ‘olha como a política é boa’, quando só um grupo será contemplado”.

Embora a Lei Aldir Blanc —que ofereceu um valor mensal de R$ 600 a trabalhadores do setor e destinou recursos a manutenção de espaços culturais e a editais, somando R$ 3 bilhões— tenha sido uma ajuda importante, não foi suficiente, ele diz. Faltaram, na sua visão, auxílios emergenciais estaduais e municipais.

Já o secretário de Cultura e Economia Criativa do estado, Sérgio Sá Leitão, enxerga o recorde nas inscrições do ProAC como resultado da crise e da ausência de fomento no âmbito federal.

“Estamos com Fundo Setorial do Audiovisual paralisado, a lei federal paralisada, apenas projetos já autorizados estão captando”, afirma.

No Rio de Janeiro, a Lei Municipal de Incentivo à Cultura também bateu o recorde de inscrições este ano, com 2.096 projetos, ante 848 no ano passado. Em oito anos de lei, o maior número de inscritos havia sido em 2019, com 1.562 projetos. Agora, das propostas inscritas, 1.917 foram aprovadas e estão aptas a captar do orçamento total de R$ 54 milhões.

A prefeitura ainda relançou o programa municipal de Fomento à Cultura Carioca, que ficou parado ao longo de toda a gestão de Marcelo Crivella (2017-2020). Com R$ 20 milhões em caixa, o programa prevê beneficiar 300 projetos.

Numa situação parecida com a do bailarino Ricardo Gali, Lúcia Pinheiro, 67, também foi selecionada em um edital no final de 2019, para conduzir um projeto sobre o escritor e crítico de arte Mário Pedrosa (1900-1981), que teria completado 120 anos em 2020. O projeto previa exposição e web documentários com entrevistas presenciais.

“Não dá para negar que houve um pouco de frustração, tivemos que readaptar, queríamos fazer a exposição presencialmente, trazer alunos de colégios públicos para conhecer esse personagem, mas não foi possível”, conta ela, que é diretora do Centro de Documentação do Movimento Operário Mário Pedrosa.

Em ambos os projetos, financiados por editais do ProAC de 2019, os acertos foram feitos em diálogo com a pasta do governo federal.

Já a peça “Protocolo Volpone”, da Bendita Trupe, foi a primeira a estrear de forma presencial em São Paulo durante a pandemia, em outubro de 2020, quando a cidade estava na fase verde.

O grupo tinha acabado de receber o prêmio Zé Renato, de fomento municipal, para desenvolver o projeto quando tudo fechou, lembra a diretora Johana Albuquerque.

Seu primeiro pensamento, conta, foi que não tinha o menor interesse em fazer online. ‘‘Uma peça de duas horas com dez atores, não funciona”, diz.

A solução foi montar um espetáculo com ares de fim do mundo, encenado no estacionamento do teatro Arthur Azevedo, na Mooca, com 20 espectadores, cada um em uma cabine plástica afastada uma da outra, todos de máscara.

O espetáculo, porém, foi gravado por quatro câmeras, e depois estreou online, viabilizado pelo ProAC Lab, programa com recursos advindos da Lei Aldir Blanc.

Para quem não imaginou que se adaptaria ao formato de telas, Albuquerque diz que o resultado foi bom, mas acrescenta que todo esse processo exigiu da equipe aprimoramento em aspectos técnicos distantes de sua atuação. ‘‘Viramos cineastas, tenho que ter um editor com pensamento tão bom quanto minha capacidade de dirigir.”

José Renato Almeida diz que as ferramentas vieram para ficar. “Com o tempo, teve gente que passou a produzir já pensando nesse formato, não só adaptando, e surgiram coisas com maior qualidade”.
O secretário Sá Leitão afirma que, a partir de agora, tudo será presencial e online. Nos editais de fomento, será mantida a possibilidade de os projetos serem exclusivamente online ou híbridos.

A pasta também fez um investimento para adaptar a Sala São Paulo ao digital. “Temos toda a infraestrutura de transmissão instalada, com câmeras de controle, switcher, internet, e estamos fazendo isso nos teatros Sérgio Cardoso e São Pedro.”

Sobre o retorno de espetáculos, Sá Leitão diz que ainda será preciso viver por um bom tempo com os protocolos já conhecidos, mas também menciona novos controles para acesso a estabelecimentos, como comprovante de vacina e apresentação de teste para a Covid-19.

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