Descrição de chapéu Doenças Raras genética

Filas e diagnóstico tardio prejudicam qualidade de vida de pessoas com doenças raras

Patologias são progressivas e incapacitantes com sequelas, geralmente, irreversíveis

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São Paulo

O Serviço de Genética Médica e Centro de Referência para Doenças Raras no Hospital das Clínicas de Porto Alegre tem cerca de 2.500 pacientes à espera de consulta.

O cenário é parecido no hospital pediátrico Pequeno Príncipe, em Curitiba, que tem cerca de 1.500 crianças na fila do centro de doenças raras.

O represamento de pacientes afeta diretamente a qualidade de vida de quem tem uma doença rara, isso porque são patologias progressivas e incapacitantes, com sequelas, geralmente, irreversíveis.

"O primeiro gargalo é o acesso a uma consulta com especialista, o segundo são os exames. Com isso, o diagnóstico demora muito a ser feito", diz Ida Vanessa Schwartz, chefe do setor do Hospital das Clínicas de Porto Alegre.

Foto mostra ambulatório da unidade de doenças raras do Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba (PR). Em uma maca, a neuropediatra Mara Lucia Schmitz atende o menino Vicente Rocha Koskeski, 3, o diagnóstico dele é alteração genética rara no gene RX.
Dra. Mara Lucia Schmitz, neuropediatra, em atendimento na unidade de doenças raras do Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba (PR). O menino é Vicente Rocha Koskeski, 3, o diagnóstico dele é alteração genética rara no gene RX - Divulgação

Além disso, o desconhecimento do diagnóstico correto pode gerar sofrimento às famílias durante anos.

"Existe uma angústia enorme enquanto você não sabe o diagnóstico do seu filho. Muitas vezes, se a família sabe o nome da doença, sabe onde buscar informação", diz Mara Lúcia Schmitz, neuropediatra e coordenadora da unidade do Pequeno Príncipe.

Para ela, um dos grandes desafios desse tipo de tratamento é que muitos pacientes chegam ao ambulatório e permanecem internados devido à gravidade dos casos, o que gera represamento.

O Ministério da Saúde estima que aproximadamente 13 milhões de pessoas vivam com doenças raras no país.

Procurada, a pasta disse não contabilizar fila de espera para especialidades, responsabilidade dos gestores locais.

De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), as patologias raras são aquelas que afetam até 65 pessoas em cada 100 mil. A estimativa é de que existam entre 6.000 e 8.000 tipos diferentes dessas doenças em todo o mundo. Do total, 80% vêm de fatores genéticos e cerca de 95% não têm tratamento definido.

A rota do paciente até um centro especializado passa pela unidade básica de saúde e por consultas e exames.

Ilustração de várias pessoas diferentes em formas geométricas segurando um vaso de plantas verdes. Ao centro da imagem, uma mulher carrega um vaso com plantas vermelhas.
De acordo com a OMS, as patologias raras são aquelas que afetam até 65 pessoas em cada 100 mil. A estimativa é que existam entre 6.000 e 8.000 tipos diferentes destas doenças no mundo. Como são muitas, o diagnóstico costuma ser difícil e demorado, fazendo com que os pacientes sofram por anos sem saber o que têm. - Tiago Galo/Arte Folha

Por isso é importante que a equipe das unidades locais saiba identificar quais casos necessitam de mais atenção. A divulgação de informações sobre essas condições é aliada de quem busca diagnóstico.

Schmitz conta que muitas doenças se manifestam com sintomas diferentes e ainda não têm exames 100% precisos, o que demanda um trabalho constante de pesquisa.

Moradora de Duque de Caxias (RJ), Ingrid Siqueira, 39, vive desde criança com a doença de Pompe, patologia genética que causa fraqueza muscular e insuficiência respiratória.

Ela só teve o diagnóstico correto aos 33 anos. "Foi um processo muito longo. Fiz biópsias, mapeamentos, mas foi depois de um exame genético, que precisou ir para Alemanha, que tive a confirmação."

Ingrid precisa de aparelhos que a auxiliam na respiração e já não anda mais. Para ela, um diagnóstico mais cedo teria lhe rendido uma melhor qualidade de vida.

Hoje ela faz consultas periódicas no Hospital Universitário Gaffrée e Guinle, na Tijuca, zona norte do Rio, e enfrenta dificuldades de acesso à medicação de alto custo. "Precisei entrar na Justiça [contra a União] para conseguir o remédio, mas já estou há dois meses sem medicação."

O Ministério da Saúde contabiliza 17 instituições de referência para o tratamento de doenças raras no país.

Esses centros são hospitais completos e de atenção múltipla, que atendem muitas especialidades, explica o médico Roberto Giugliani, professor da Faculdade de Medicina da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

Ele é cofundador da Casa dos Raros, em Porto Alegre, clínica exclusiva para pessoas com essas patologias.

O espaço, que será inaugurado em maio deste ano, é uma iniciativa de duas organizações que tratam esse tipo de paciente: o Instituto Genética Para Todos e a Casa Hunter.

A Casa dos Raros terá atendimento misto, recebendo pacientes do SUS, consultas particulares e planos de saúde.

Juntos, os casos de doenças raras no país são numerosos, mas individualmente cada pessoa precisa de cuidados específicos, diz Giugliani.

Foto mostra fachada do prédio da Casa dos Raros, centro de tratamento em Porto Alegre (RS)  especializado no atendimento para pessoas com doenças raras. A clínica será inaugurada em maio deste ano.
Prédio da Casa dos Raros, centro de tratamento em Porto Alegre (RS) especializado no atendimento para pessoas com doenças raras; a clínica será inaugurada em maio deste ano. - André Feltes/Folhapress

Para o médico, o custo das pesquisas ainda é um entrave: "É preciso um enorme investimento para tratar um número pequeno de indivíduos".

Ele acrescenta que uma das principais dificuldades de grandes centros especializados é reunir a equipe multiprofissional em um só local.

Se o tratamento requer muitos deslocamentos, o paciente pode acabar sendo afetado. O psicanalista Arlen de Jesus dos Santos, 39, acompanha mensalmente a mãe, Ana Maria de Jesus Santos, 66, em consultas no neurologista em Vitória da Conquista (BA). A distância entre o hospital e a cidade de Jequié, onde mora Ana Maria, é de 150 km.

Ela foi diagnosticada há um ano com síndrome do Homem Rígido, doença autoimune que compromete o sistema nervoso central e causa rigidez e espasmos musculares.

Arlen conta que procurou atendimento particular para a mãe porque a fila para consulta no neurologista local, pela rede pública, era de mais de seis meses. A família também entrou na Justiça para conseguir o remédio de Ana Maria.

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