Descrição de chapéu Doenças Raras 2021

Banco de dados genético do país deve acelerar diagnóstico

Descoberta precoce é fundamental para a qualidade de vida que o paciente raro terá pela frente

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São Paulo

Obter um diagnóstico precoce em caso de doença rara é muito difícil. Como o próprio nome diz, elas são raras e, portanto, pouco conhecidas, inclusive pelos profissionais de saúde. Mais do que a maioria das doenças, porém, descobrir cedo é fundamental para a vida do paciente.

A necessidade do rápido diagnóstico foi o centro da discussão dos especialistas na segunda edição do Seminário de Doenças Raras, realizado pela Folha na quinta-feira (25).

A categoria doença rara abarca mais de 6.000 condições com pouca coisa em comum, além da baixa prevalência. No Brasil, define-se como raro os males que afetam até 65 pessoas a cada 100 mil indivíduos.
Para Denis Bichuetti, neurologista e consultor científico da AME (Amigos Múltiplos pela Esclerose), a dificuldade começa na formação dos médicos. “Quando você vai para diagnósticos mais raros, o clínico geral não reconhece, o que faz com que o indivíduo pingue de médico em médico.” Família e paciente enfrentam o que a geneticista Ida Schwartz, do Hospital das Clínicas de Porto Alegre, chama de “odisséia diagnóstica”.

Como 80% das doenças raras decorrem de fatores genéticos, a falta de um banco de dados consolidado no Brasil é outro obstáculo. Por enquanto, os geneticistas usam bases importadas da Europa ou dos Estados Unidos, o que também causa atrasos.

“Quando se sequencia um genoma, aparecem, em média, 4 milhões de alterações. Estamos buscando uma ou duas que são a causa daquela doença. É necessário ter ferramentas para dizer ‘isso aqui é normal ou isso é a provável causa’”, explica o imunologista João Bosco Oliveira Filho.

Uma das iniciativas para enfrentar esse problema foi a criação, em outubro de 2020, do projeto Genomas Raros, coordenado por Oliveira Filho. O objetivo é sequenciar o genoma de mais de 8.000 pacientes raros, reconhecer as falhas e diminuir o tempo do diagnóstico de anos para meses.

O Genomas Raros é uma iniciativa do Proadi-SUS (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde), liderado pelo Hospital Israelita Albert Einstein. O mapeamento é feito, sobretudo, em pessoas que usam os centros de referência em doenças raras ou de atenção especializada.

Outra medida com o mesmo objetivo é ampliar o número de doenças detectadas pelo teste do pezinho oferecido pelo SUS. Hoje, o exame é obrigatório, mas, com raras exceções, analisa apenas seis condições genéticas. Um projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados propõe aumentar para cerca de 40.

Marcondes França Jr., neurologista e professor da Unicamp, cita como exemplo da importância do diagnóstico precoce os casos de crianças com atrofia muscular espinhal, doença que afeta a mobilidade corporal. “Com a triagem neonatal, é possível tratar no início e restaurar uma condição de vida muito próxima da normalidade.”

Um exemplo emblemático da enorme diferença que o diagnóstico rápido faz é o caso dos dois bebês nascidos na Califórnia em 2003. Ambos compartilhavam o mesmo nome —Zachary— e a mesma condição, um raro defeito do metabolismo chamado acidemia glutárica, que provoca o acúmulo de proteínas não digeridas (inclusive do leite materno) e pode comprometer funções motoras básicas, como segurar o pescoço, firmar o tronco ou ficar em pé.

Um Zachary nasceu em uma clínica que conduzia um estudo científico com a aplicação da triagem ampliada e foi prontamente diagnosticado e tratado. O outro não teve a mesma sorte: foi diagnosticado apenas depois de alguns meses, já com lesões cerebrais graves e definitivas.

O “conto dos dois Zacharys”, como ficou conhecido, inspirou um movimento semelhante em Minas Gerais, deflagrado pela mãe do Theo, nascido em 2014 e também portador de acidemia glutárica. Como o Zachary Wivill da Califórnia, ele tampouco foi diagnosticado na triagem neonatal.

A mãe, a jornalista Larissa Carvalho, publicou no YouTube um vídeo que conta com quase 1,5 milhão de visualizações, em que relata a história de Theo e defende a ampliação do teste do pezinho e a conscientização de médicos, enfermeiras e doulas sobre a importância de alertar os pais.

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Jornalista Larissa Carvalho defende a ampliação do teste do pezinho - Arquivo pessoal

ASSISTA AOS DEBATES DO SEMINÁRIO:


Não basta detectar o problema, afirmam os debatedores

Armando Fonseca, diretor de medicina personalizada do Grupo Pardini alerta para o risco de se criar uma demanda desassistida. “Se o sistema público de saúde não tem profissionais e centros de referências capacitados para receber os pacientes oriundos dessa triagem, pode levar ao descrédito um programa que deveria ser vitorioso.”

Lenio Alvarenga, diretor de acesso e médico da Roche Farma Brasil, afirma que a viabilidade de um sistema de saúde universal com qualidade depende da integração de toda a rede. “Eu acredito muito na digitalização da saúde para que a gente tome as decisões com tudo bem documentado.”

Para Denis Bichuetti, não adianta ter diagnóstico e tratamento se não houver inclusão social dos pacientes. “Diagnóstico, tratamento e conscientização são o tripé para unir esforços de academia, laboratório, iniciativa privada, serviço publico e sociedade.”

Em suas considerações finais, Ida Schwartz aproveitar para ressaltar a importância de ter sempre pacientes participando de pesquisas. “Não significa ser cobaia, a presença deles é essencial para termos informações sobre o que acontece nos grupos de doenças e pensar terapias e formas de diagnósticos melhores.”

A mediação do debate foi feita pela repórter especial Cláudia Collucci. O webinário foi patrocinado pelos laboratórios Sanofi, Roche e Grupo Pardini/DLE.

Colaborou Etel Frota

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