Conheça dificuldades de mulheres em se recolocar no mercado pós-pandemia

Mulheres têm menos espaço no mercado de hoje, mas home office beneficia aquelas já empregadas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Luany Galdeano Philippe Scerb
Rio de Janeiro e São Paulo

Os efeitos da pandemia sobre o mercado de trabalho das mulheres ainda são incertos. Especialistas projetam maior dificuldade de recolocação, mas ressaltam que a flexibilização, proporcionada pelo home office, pode ser um fator a favor das trabalhadoras.

Relatório da OIT (Organização Mundial de Trabalho) mostra que, em países como o Brasil, a taxa de emprego das mulheres em 2022 ficará, em média, 1,8 ponto percentual abaixo do nível pré-pandemia. Já a dos homens será 1,6 ponto percentual menor.

O levantamento aponta que, apesar da pequena diferença, esse ritmo da recolocação das mulheres é preocupante, já que elas são minoria no mercado desde antes da crise.

Milva está sentada em um banco de concreto. Ela é uma mulher branca, está de cabelos presos e usa uma blusa roxa.
Milva Amaral em Manguinhos, zona norte do Rio de Janeiro. - Zo Guimaraes/Folhapress

Segundo a OIT, o impacto da Covid é maior sobre as mulheres, porque elas são maioria em carreiras muito atingidas pela pandemia, como as empregadas domésticas, profissão quase totalmente feminina e que teve 1,5 milhão de demissões no Brasil em 2020.

Milva Amaral, 39, trabalhava havia quase dez anos como faxineira até ser dispensada no primeiro ano da pandemia.Mãe de cinco filhos, ela era a única fonte de renda da família.

Durante o isolamento, contou com o apoio do ex-marido para pagar o aluguel da casa onde mora, em Manguinhos, na zona norte do Rio de Janeiro, e com a ajuda de amigos para garantir outras necessidades básicas. "Quando via que o arroz e o feijão estavam acabando, eu ficava nervosa."

Em junho de 2021, depois de semanas sentindo falta de ar e arritmia, foi diagnosticada com cardiomegalia, doença mais conhecida como "coração dilatado". O problema de saúde se tornou mais um obstáculo na busca de Milva por um emprego, mas desistir de procurar não é uma opção."Já está difícil até para quem trabalha. E para quem não está trabalhando?", questiona.


Além de estarem em empregos que perderam espaço na crise, as mulheres são minoria em setores que devem crescer, como o de tecnologia.

Levantamento do LinkedIn mostra que 17 das 25 carreiras que terão alta demanda no Brasil neste ano são predominantemente masculinas.

As mulheres são apenas 4,9% dos profissionais de engenharia de confiabilidade de sites, área que, de acordo com a pesquisa, terá a segunda maior demanda no mercado de trabalho. A contratação feminina é de 9,1% entre os desenvolvedores back-end, que ocupam a 12ª posição no ranking.

Engenheira com pós-graduação, Daniella Serrano, 49, está fora do mercado desde fevereiro de 2021. Perdeu o emprego em um corte de funcionários na empresa em que trabalhava, que enfrentava crise com a pandemia. Apesar de ter visto um aumento na oferta de vagas desde o fim do ano passado, ela conta que ainda não conseguiu uma nova posição. "Vejo vagas pedindo pessoas de até 30 anos, pedindo candidatos homens."

Durante a pandemia, Daniella assumiu o cuidado dos pais, que são mais velhos e evitam sair de casa. Ela fica entre quatro e cinco horas por dia buscando oportunidades em sites de vagas. A falta de perspectiva, diz, é a parte mais difícil. "Às vezes penso em desistir, em mudar de carreira. Já refiz meu currículo duas ou três vezes. Não sei onde estou errando."

Home office favorece ascensão de mulheres a cargos de liderança ​

Apesar de todos os entraves surgidos durante a pandemia, o trabalho remoto, difundido nos últimos dois anos, pode ser uma vantagem para quem acumula tarefas domésticas e carreira.

"Sabemos que as mulheres têm melhor desempenho em profissões mais flexíveis. Na medida em que cargos que antes pareciam incompatíveis com essa flexibilidade não são mais vistos dessa forma, as mulheres passam a ter mais chances de permanência e progressão em áreas com melhores salários e mais chances de ascensão", afirma Cecilia Machado, economista-chefe do Banco Bocom BBM, professora da FGV/EPGE e colunista da Folha.

A família veste blusas pretas e está sentada em um sofá branco. Ao fundo, é possível ver um quadro preto e branco do rosto de uma mulher.
Fernanda Toscano, superintendente de TI da Veloe, com seu marido Alcino Toscano e seu filho Luís Felipe Toscano - Gabriel Cabral/Folhapress

A tendência é que mulheres passem a competir por cargos que outrora não vislumbravam ocupar e que as empresas ampliem a oferta de posições flexíveis, cuja produtividade aumentou com a readequação das dinâmicas de trabalho.

O último relatório da pesquisa Women in Business, feita pela consultoria Grant Thornton com mais de 250 empresas médias no Brasil (faturamento anual entre R$ 5 milhões e R$ 300 milhões) mostrou que, entre 2019 e 2021, a participação de mulheres em cargos de liderança passou de 25% para 38%.

Entre outros fatores, como a percepção por parte das companhias de que a diversidade é um ativo cada vez mais demandado por clientes, a sócia da Grant Thornton Brasil Élica Martins atribui o crescimento aos desdobramentos da Covid-19.

"Esse aumento, que já tínhamos observado no ano passado, está muito em linha com a pandemia, especialmente com a oportunidade do trabalho a distância. Mulheres que não conseguiam assumir maiores responsabilidades ou nem sequer almejavam disputar cargos no alto escalão passaram a fazê-lo com o trabalho remoto. E as empresas estão respondendo", afirma.


Fernanda Toscano, 38, superintendente de TI da Veloe, empresa de meios de pagamento do setor de transportes, não pôde contar com esse tipo de flexibilidade ao longo de sua carreira.

Em uma área dominada por homens e que exige dedicação intensa, ela viajou bastante e comeu muita pizza durante as madrugadas que passou nas empresas em que trabalhou. E diz que só chegou a um cargo de chefia —hoje ela dirige uma equipe de 316 profissionais— graças ao papel assumido pelo marido nas tarefas domésticas.

"Meu marido cria o meu filho comigo. Como ele tinha mais flexibilidade de horários do que eu, tive liberdade para cuidar da minha carreira e progredir. Quem não tem esse suporte não poderia ter a trajetória que eu tive."

"Não há bala de prata para enfrentar a desigualdade de gênero no ambiente profissional", diz Mara Turolla, gerente de desenvolvimento de talentos e diversidade da consultoria LHH.

Ela lista três frentes prioritárias nesse sentido. A primeira consistiria em instalar processos internos nas empresas que não excluam as mulheres da seleção e da promoção, o que inclui iniciativas de desenvolvimento das profissionais e ações afirmativas para a busca da igualdade em todas as esferas corporativas.

Depois de milênios de educação machista, as meninas tendem a incorporar desde cedo ideias preconceituosas que prejudicam o desenvolvimento de suas carreiras

Mara Turolla

gerente da consultoria LHH


A segunda frente é de ordem cultural e passa pela sensibilização das companhias e da sociedade como um todo acerca da importância da diversidade. Não somente como um princípio de justiça, mas também para os resultados das empresas, que, como mostram estudos recentes, são beneficiados pela inclusão de mulheres em cargos de liderança.

Por fim, a terceira frente diz respeito ao próprio comportamento das mulheres.

"Depois de milênios de educação machista, as meninas tendem a incorporar desde cedo ideias preconceituosas que prejudicam o desenvolvimento de suas carreiras. É normal que as mulheres sejam mais avessas ao risco e se sintam inseguras para assumir maiores responsabilidades", afirma Turolla.
Fernanda Toscano, da Veloe, faz parte de um grupo de lideranças femininas na área de tecnologia cujo propósito é incentivar outras mulheres a seguir essa carreira por meio de capacitação e mentoria.

"Quando eu comecei a crescer profissionalmente, passei a frequentar espaços exclusivamente masculinos. Hoje essa realidade está mudando, mas temos ainda um longo caminho pela frente."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.