Aposta de big techs, metaverso ainda tem pouco de real e muito de virtual

Ambiente é apontado como próximo passo na evolução de como as pessoas interagem online

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São Paulo

Quando o Facebook virou Meta, em outubro do ano passado, seu fundador e CEO, Mark Zuckerberg, foi o porta-voz responsável por explicar a visão de futuro da empresa. Algo que ele e outros executivos do setor chamam de metaverso.

Em um vídeo de pouco mais de uma hora, Zuckerberg aparece na sala de uma casa.

De lá, ele é transportado para ambientes virtuais. Neles, o executivo vira uma cópia de si mesmo no formato de um boneco em 3D, ou avatar, que se encontra com amigos nesse espaço digital, joga, vê obras de arte interativas. Tudo parte de uma ideia de futuro online.

Hoje, metaverso virou um dos principais temas no setor, embora ainda tenha pouco de real e muito de virtual —o que contribui para que ninguém saiba direito o que ele é.

Na ilustração, três crianças estão em um quarto, em pé, utilizando óculos de realidade virtual para jogar um game; diante delas está um monstro do game, que é verde e tem quatro braços; o cenário do quarto se mescla com o cenário do jogo
Mesmo que em versões mais simples, alguns elementos de metaverso já podem ser vistos, como os universos dos jogos Fortnite e Roblox - Débora Caritá

Em alguns momentos, o vídeo de Zuckerberg esbarra na ficção científica, demonstrando tecnologias que ainda não existem. E isso tem razão de ser: é justamente desse tipo de literatura que vem a ideia do tal do metaverso.

Trata-se de uma espécie de aposta dos grandes barões do mundo tech. Eles imaginam que a sociedade passará a interagir com o mundo online de forma mais imersiva. Com isso, passaram a desenvolver serviços e apetrechos pensando nessa realidade.

Como é algo que ainda não está posto, não dá para descrever exatamente o que é o metaverso ou como serão as coisas nele. Para entender, talvez seja melhor olhar para trás antes de pensar no futuro.

É difícil dizer como será essa vida online da mesma forma como era bem improvável, em 2000, dizer que teríamos hoje um dispositivo na nossa mão que permitiria pedir um carro por meio da internet. Menos ainda prever o quanto isso afetaria a mobilidade urbana, por exemplo.

A internet foi mudando aos poucos até chegar à forma que conhecemos hoje. Começou por meio de textos numa tela de computador, depois imagens e vídeos apareceram, ainda no desktop, e só na última década virou uma experiência majoritariamente acessada por celulares —e, com isso, chegou a mais gente.


Assista ao primeiro dia do debate:


Matthew Ball, investidor de risco e autor de "The Metaverse and How It Will Revolutionize Everything" (o metaverso e como ele revolucionará tudo, a ser lançado em inglês pela editora W.W. Norton neste mês), lembra que a internet móvel não substituiu a arquitetura do mundo online até então existente.

"Na verdade, a grande maioria do tráfego de internet hoje, incluindo os dados enviados para dispositivos móveis, ainda é transmitido e gerenciado pela infraestrutura fixa [em computadores]", escreve Ball na série de textos "Metaverse Primer", uma das mais célebres sobre o assunto.

Algo semelhante deve acontecer com o metaverso. É um próximo passo na evolução de como as pessoas interagem com as tecnologias online, e não um substituto à internet atual. Se a internet antes ficava na tela do PC e agora está também no celular, no futuro estará nesses novos sistemas, mais imersivos.

Não é meramente um dispositivo (tipo um óculos), assim como um celular não é a internet móvel. Tampouco é simplesmente um lugar, ou um universo paralelo. No espaço, existiriam vários mundos e serviços, como hoje temos aplicativos e sites.

Há quem fale em uma conexão quase constante, com bilhões de dispositivos online ao nosso redor o tempo todo.

Por outro lado, há quem espere uma postura que lembra a atual: acessamos os serviços quando nos interessa e deixamos os dispositivos de lado quando não.

"Um problema é que tecnologistas não nos deram boas razões de por que iríamos querer viver nesse mundo digital+real que imaginaram", escreveu Shira Ovide em sua newsletter de tecnologia no jornal The New York Times. "O que esse negócio consegue fazer que meu telefone não consegue?"

Impossível ignorar, no entanto, o quanto de dinheiro está sendo despejado nessa área por empresas influentes. Em seu relatório para investidores no terceiro trimestre do ano passado, a Meta falou em U$ 10 bilhões (R$ 51 bi) de investimentos no seu laboratório de pesquisas só em 2021.

Outra gigante do setor e acostumada a lançar tendências, a Apple também prepara sua investida no metaverso. Um dispositivo com o desenho da maçã focado nessas tecnologias imersivas deve chegar ao mercado no próximo ano, aponta o The New York Times.

Ou seja, goela abaixo ou não, parece ser para esse lado que as coisas se encaminham. A mudança, no entanto, não deve ser imediata. É esperada para as próximas décadas.

O momento é de construção das estruturas necessárias para o metaverso.

Muito desse mundo passa por conceitos de realidade estendida, que engloba a realidade virtual e a aumentada.

Em um estúdio, Luciana e Rafael estão sentados lado a lado; Luciana tem cabelo azul e veste roupas pretas; Raphael tem cabelo e barba castanhos e veste camisa branca com colete e calça bege
O jornalista Raphael Hernandes (dir.) foi mediador do primeiro dia do seminário sobre metaverso; a mesa 1, com Luciana Bazanella, cofundadora da White Rabbit (erq.), discutiu limites e possibilidades da Web 3.0 - Keiny Andrade/Folhapress

No caso da realidade virtual, o usuário coloca óculos específicos para ver o mundo como se estivesse num ambiente digital. Na aumentada, usando óculos ou algum outro dispositivo —tipo a tela do celular— são adicionados elementos à visualização do mundo real. Exemplo disso é o game Pokémon Go, no qual os monstrinhos aparecem no telefone como se estivessem na sala de casa.

E aí começam os engasgos. Os óculos podem custar mais de R$ 10 mil (versões mais simples entre R$ 2.000 e 3.000) e exigem computadores potentes para funcionar. Além disso, são meio desengonçados. É necessário, portanto, tornar esses equipamentos mais baratos e agradáveis de usar.

Só que a ideia de metaverso não passa só por apetrechos —é estar mais inserido nesse mundo virtual, e gadgets são só um dos meios para isso.

Dois exemplos já existentes, que não usam óculos especiais, vêm dos games. Fortnite e Roblox criam mundos virtuais nos quais as pessoas, por meio de seus avatares, podem interagir, explorar, participar de eventos, vestir seus bonecos com conteúdo personalizável, fazer transações.

Entenda o metaverso em 6 perguntas

Eles são, porém, universos isolados. Se uma pessoa compra algo num jogo, não há portabilidade para o outro. Pensando num cibermundo com vários universos interconectados, é necessário criar os caminhos para essa ponte.

Isso é parte de um trabalho de fundação do metaverso, que está em curso.

O mesmo se aplica a conexões entre diferentes tipos de dispositivos, para alguém com um celular simples ser capaz de acessar o mesmo espaço que um amigo num computador de última geração e óculos de realidade virtual.

Além de tudo, é necessário todo um ecossistema em volta para que esse espaço se concretize. A era da internet móvel só foi possível porque havia uma rede de desenvolvedores criando apps que a tornavam útil e porque a conexão (3G e 4G) existe.

Para funcionar, as aplicações que passam pelo metaverso têm alta demanda de internet. O 5G é uma opção, mas está longe de ser amplamente adotado.

Numa chamada por vídeo, um atraso pode ser apenas um incômodo. Com realidade virtual, pode trazer náusea —e talvez fique difícil, mesmo com os bilhões do Vale do Silício, convencer as pessoas a adotarem uma tecnologia se elas precisarem limpar a roupa a cada ligação.

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