Além de frear devastação, governo Lula precisa agir para recuperar a floresta

Especialistas defendem uso racional de recursos naturais para fomentar regeneração ambiental

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São Paulo

Diante do avanço do desmatamento da Amazônia —que, desde 2018, ultrapassa 10 mil quilômetros quadrados por ano, segundo o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais)—, os desafios do governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na área ambiental vão além de frear a devastação.

Para recuperar o bioma, é preciso ampliar ações de proteção, priorizar o processo natural de regeneração florestal, revisar regulamentos existentes e discutir a criação de legislação para a região.

É o que afirmam os participantes do seminário Lições da Mata Atlântica para a Amazônia, promovido nesta quinta-feira (8) pela Folha e pela Fundação SOS Mata Atlântica com apoio do iCS (Instituto Clima e Sociedade).

Ana Carolina Amaral (dir.) faz mediação de evento com Luís Fernando Guedes Pinto, da SOS Mata Atlântica
Ana Carolina Amaral (dir.) faz mediação de evento com Luís Fernando Guedes Pinto, da SOS Mata Atlântica - Marcelo Chello/Folhapress

Mediado pela jornalista Ana Carolina Amaral, autora do blog Ambiência na Folha, o evento apresentou e debateu destaques do artigo "Lições de Governança da Mata Atlântica para a Preservação da Amazônia", elaborado por pesquisadores dos dois biomas.

Uma lei para a Amazônia poderia se espelhar na Lei da Mata Atlântica, de 2006, que reconhece a devastação e a necessidade proteger o bioma, diz Luís Fernando Guedes Pinto, diretor-executivo da SOS Mata Atlântica.

Seria necessário, porém, traçar como meta o desmatamento zero —na mata atlântica, a lei permite o desmate em situações específicas, como interesse social, explica.

Outro fator é a crise de serviços ecossistêmicos. A qualidade da água e seu abastecimento, por exemplo, são comprometidos pela degradação do bioma. "Na Amazônia, a maior bacia hidrográfica do mundo, a população ribeirinha vive estresse hídrico", diz Caetano Scannavino, coordenador do Projeto Saúde & Alegria, ONG que atua na Amazônia desde 1987.


Assista ao seminário completo:


Scannavino vive há 34 anos no Pará, na região do rio Tapajós, e participou remotamente do evento. Para ele, a resolução de problemas ambientais passa pela atenção às questões sociais: "Não dá para pensar em solução única se não oferecemos políticas para populações que protegem o território viverem ali, como saúde, saneamento e água".

Guedes lembra também da nova regulamentação aprovada pela União Europeia na última terça-feira (6) para proibir a importação de itens como carne, soja, madeira, borracha e cacau, além de derivados dessas commodities, vindos de regiões desmatadas, mesmo que legalmente.

Scannavino, do Projeto Saúde & Alegria, defende políticas que incentivem a eficiência agrícola em áreas agricultáveis abandonadas. O maior investimento, porém, deve ser destinado às soluções baseadas na bioeconomia.

"Há um potencial gigantesco para trabalhar a economia baseada na floresta em pé. O mercado global de produtos compatíveis com a floresta move cerca de US$ 200 bilhões por ano, e a Amazônia, apesar de representar 30% das florestas tropicais do mundo, participa de 0,2% desse mercado."

Na mata atlântica e nas partes mais devastadas da Amazônia, é possível realizar o plantio de florestas para produzir de modo sustentável medicamentos e matérias-primas como madeira, diz Guedes, da SOS Mata Atlântica.

"Isso é possível e está nas mãos do governo de transição. É um desafio gigantesco, mas alcançável. Podemos exportar para o mundo itens da bioeconomia, de maneira sustentável e regenerativa."

Mas a evolução desse mercado depende do fortalecimento de mecanismos de combate dos crimes ambientais, afirma Scannavino. "A Amazônia vai seguir em crise se não dermos um passo em termos de comando e controle. Não dá para normalizar que, dos 300 assassinatos [de ambientalistas] na última década, só 14 foram a julgamento."

Para Gabriel Lui, coordenador do portfólio de uso da terra do iCS, as respostas para a proteção da Amazônia e da mata atlântica não devem partir só de uma frente, mas reunir atores diversos.

Um exemplo que já ocorre na mata atlântica é o pagamento por serviços ambientais, que remunera produtores rurais pela conservação de uma área. Para Lui, o estímulo, ainda que feito em pequena escala, ajuda a acelerar a regeneração.

"Na mata atlântica, praticamente esgotamos as áreas florestais para depois ter iniciativas de recuperação, e agora vemos o mesmo acontecendo na Amazônia", afirma. "Mesmo que a soja gere renda em municípios do Mato Grosso, há suficientes áreas abertas na Amazônia para não precisar converter novas regiões de floresta para o cultivo."

A deputada federal eleita Marina Silva (Rede Sustentabilidade-SP) estaria na mesa, mas cancelou a participação para comparecer à Plenária Sociedade Civil Socioambiental e Climática, evento do governo de transição.

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