Nova técnica de reciclagem desenvolvida nos EUA usa bactérias para produzir bioplástico

Modelo reduz impacto ambiental ao manter na cadeia produtiva materiais que seriam destinados ao lixo

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Marina Lahr
São Paulo

Uma nova técnica de reciclagem criada no Laboratório Nacional de Energia Renovável (NREL, na sigla em inglês) dos EUA, um instituto federal, utiliza calor e bactérias para transformar restos plásticos em insumos de interesse industrial.

A combinação de processos químicos e biológicos é a aposta de pesquisadores para ampliar a utilidade de resíduos e apoiar a economia circular. O modelo mantém materiais que poderiam ser destinados ao lixo em uso nas cadeias produtivas e de consumo, reduzindo o impacto ambiental, explica Aldo Ometto, coordenador do centro de pesquisa em economia circular do InovaUSP em São Carlos, no interior de São Paulo.

Segundo o especialista, obter matéria-prima e gerar valor sem extrair novos recursos da natureza é o estágio mais avançado da proposta circular. "Neste caso, não é preciso falar em resíduo, porque se trata de material de qualidade para as empresas."

Imagem mostra embalagens plásticas separadas em lotes para reciclagem em um depósito
Lotes de plástico separado para reciclagem em depósito na startup de reciclagem Wise, em Itatiba (SP) - Alberto Rocha - 24.ago.2018/Folhapress

Dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostram que menos de 10% do plástico produzido no mundo é reciclado. Mais da metade dessa produção é encaminhada para locais em que não há reaproveitamento, como lixões e aterros controlados.

A falta de eficiência na reutilização de plásticos foi o que motivou os cientistas dos EUA a iniciarem estudos, já que o reprocessamento tradicional costuma ser caro e demorado. A saída encontrada, publicada em outubro na revista Science, foi criar um sistema misto, químico e biológico.

Na primeira etapa do processo, uma reação química foi usada para quebrar em partículas menores uma amostra com diferentes tipos de plástico. O processo deu origem a compostos mais simples, mas que ainda exigiriam técnicas avançadas se transformarem em matéria-prima pura, que pode ser usada pela indústria.

Uma bactéria geneticamente modificada (Pseudomonas putida) foi, então, testada para fazer a transformação desses resíduos. A espécie escolhida é encontrada na natureza e não provoca infecções frequentes em humanos.

Os micro-organismos se alimentaram dos nutrientes gerados pela reciclagem química e produziram uma espécie de bioplástico. O composto extraído das bactérias pode ser utilizado na produção de diferentes produtos —de sacolas a implantes médicos.

A alteração genética feita nas bactérias foi uma das chaves para a eficiência do método, segundo Allison Werner e Kevin Sullivan, autores do estudo, em entrevista por email à Folha. Com ajuda da técnica, o processo de reciclagem tem um maior aproveitamento e dá origem a pequenos grãos de bioplástico, que podem ser moldados da mesma forma que os plásticos feitos de petróleo.

Como ainda não existe redução no consumo plástico no mundo, tecnologias para a reutilização do material são um dos caminhos para a economia circular, diz Sullivan. "Queremos mostrar que é possível obter materiais valiosos a partir da reciclagem", diz Sullivan. O cientista acrescenta que estudos para implementar o método em grande escala estão em andamento.

Em 2019, 460 milhões de toneladas de plástico foram produzidas, com dois terços usados em produtos de vida útil inferior a cinco anos. No Brasil, o plástico reciclado representa 11,5% da matéria-prima usada na indústria, segundo a Associação Brasileira da Indústria do Plástico.

José Gregório Cabrera Gomez, doutor em microbiologia e professor do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, afirma que a solução apresentada pela pesquisa americana supera gargalos de eficiência muitas vezes vistos em tecnologias sustentáveis. Ele acrescenta, porém, que a reciclagem não é suficiente para equilibrar o impacto causado pela indústria petroquímica.


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Segundo Gomez, o cenário ideal seria desenvolver uma bioeconomia com uma cadeia de plásticos que utilizasse matérias-primas de fontes renováveis. Nesse cenário, diferente da reciclagem proposta pelo NREL, os bioplásticos seriam gerados a partir de resíduos da agricultura ao invés de derivados do petróleo.

Aldo Ometto, do InovaUSP, lembra que a transformação que leva à economia circular não pode ser apenas técnica. "As empresas acreditam que as soluções dos problemas estão em seus próprios negócios. Mas, na verdade, estão no ecossistema. A circularidade exige a saída de uma cultura centralizadora para uma prática compartilhada", explica.

Esta reportagem foi produzida durante o 7º Programa de Jornalismo de Ciência e Saúde da Folha, que teve apoio do Instituto Serrapilheira, do Laboratório Roche e da Sociedade Beneficente Albert Einstein.

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