Uma nova técnica de reciclagem criada no Laboratório Nacional de Energia Renovável (NREL, na sigla em inglês) dos EUA, um instituto federal, utiliza calor e bactérias para transformar restos plásticos em insumos de interesse industrial.
A combinação de processos químicos e biológicos é a aposta de pesquisadores para ampliar a utilidade de resíduos e apoiar a economia circular. O modelo mantém materiais que poderiam ser destinados ao lixo em uso nas cadeias produtivas e de consumo, reduzindo o impacto ambiental, explica Aldo Ometto, coordenador do centro de pesquisa em economia circular do InovaUSP em São Carlos, no interior de São Paulo.
Segundo o especialista, obter matéria-prima e gerar valor sem extrair novos recursos da natureza é o estágio mais avançado da proposta circular. "Neste caso, não é preciso falar em resíduo, porque se trata de material de qualidade para as empresas."
Dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostram que menos de 10% do plástico produzido no mundo é reciclado. Mais da metade dessa produção é encaminhada para locais em que não há reaproveitamento, como lixões e aterros controlados.
A falta de eficiência na reutilização de plásticos foi o que motivou os cientistas dos EUA a iniciarem estudos, já que o reprocessamento tradicional costuma ser caro e demorado. A saída encontrada, publicada em outubro na revista Science, foi criar um sistema misto, químico e biológico.
Na primeira etapa do processo, uma reação química foi usada para quebrar em partículas menores uma amostra com diferentes tipos de plástico. O processo deu origem a compostos mais simples, mas que ainda exigiriam técnicas avançadas se transformarem em matéria-prima pura, que pode ser usada pela indústria.
Uma bactéria geneticamente modificada (Pseudomonas putida) foi, então, testada para fazer a transformação desses resíduos. A espécie escolhida é encontrada na natureza e não provoca infecções frequentes em humanos.
Os micro-organismos se alimentaram dos nutrientes gerados pela reciclagem química e produziram uma espécie de bioplástico. O composto extraído das bactérias pode ser utilizado na produção de diferentes produtos —de sacolas a implantes médicos.
A alteração genética feita nas bactérias foi uma das chaves para a eficiência do método, segundo Allison Werner e Kevin Sullivan, autores do estudo, em entrevista por email à Folha. Com ajuda da técnica, o processo de reciclagem tem um maior aproveitamento e dá origem a pequenos grãos de bioplástico, que podem ser moldados da mesma forma que os plásticos feitos de petróleo.
Como ainda não existe redução no consumo plástico no mundo, tecnologias para a reutilização do material são um dos caminhos para a economia circular, diz Sullivan. "Queremos mostrar que é possível obter materiais valiosos a partir da reciclagem", diz Sullivan. O cientista acrescenta que estudos para implementar o método em grande escala estão em andamento.
Em 2019, 460 milhões de toneladas de plástico foram produzidas, com dois terços usados em produtos de vida útil inferior a cinco anos. No Brasil, o plástico reciclado representa 11,5% da matéria-prima usada na indústria, segundo a Associação Brasileira da Indústria do Plástico.
José Gregório Cabrera Gomez, doutor em microbiologia e professor do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, afirma que a solução apresentada pela pesquisa americana supera gargalos de eficiência muitas vezes vistos em tecnologias sustentáveis. Ele acrescenta, porém, que a reciclagem não é suficiente para equilibrar o impacto causado pela indústria petroquímica.
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Segundo Gomez, o cenário ideal seria desenvolver uma bioeconomia com uma cadeia de plásticos que utilizasse matérias-primas de fontes renováveis. Nesse cenário, diferente da reciclagem proposta pelo NREL, os bioplásticos seriam gerados a partir de resíduos da agricultura ao invés de derivados do petróleo.
Aldo Ometto, do InovaUSP, lembra que a transformação que leva à economia circular não pode ser apenas técnica. "As empresas acreditam que as soluções dos problemas estão em seus próprios negócios. Mas, na verdade, estão no ecossistema. A circularidade exige a saída de uma cultura centralizadora para uma prática compartilhada", explica.
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