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Becky S. Korich

A internet melhora a forma como as pessoas se relacionam com amigos? NÃO

A tecnologia nos deixou com preguiça de gente e da gente

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Becky S. Korich

Advogada, escritora e dramaturga

O primeiro contato que tive com a questão foi há alguns anos, quando o Facebook ainda era a referência do chamado social network.

Eu representava uma cliente num processo judicial e arrolei como testemunha uma pessoa que fazia parte da sua rede social. O advogado da parte contrária contraditou a testemunha por suspeição, alegando que ela poderia distorcer os fatos em benefício da amiga virtual.

Ilustração mostra um ambiente escuro e destaca a luz emitida por um celular nas mãos de uma mulher; a luz ilumina seu rosto
Nas relações humanas, tecnologia traz como efeito colateral o medo de lidar com a complexidade dos relacionamentos - Catarina Pignato

O juiz negou a contradita, entendendo que a simples amizade virtual não tornava a testemunha suspeita, uma vez que não envolvia necessariamente uma relação afetiva. Desde então esse assunto me intriga, não pelo aspecto jurídico (que hoje já tem uma tendência consolidada), mas como presa das redes sociais. O que significa hoje ter amigos?

A internet não só remodelou as relações interpessoais, como também a forma como nos relacionamos com nós mesmos. Condenados a ficar conectados, perdemos o direito à solitude.

Desaprendemos a ficar sozinhos, mas nunca nos sentimos tão sós. Se estamos desencontrados de nós mesmos, como podemos nos relacionar com outros? É esse o paradoxo: desde que nos rendemos às redes, não estamos nem sozinhos nem juntos.

A internet preenche o nosso tempo e ao mesmo tempo nos esvazia; é a fuga e o encontro, o esconderijo e a vitrine. Damos likes, mas não treinamos o gostar; curtimos, mas não apreciamos.

Os dispositivos móveis roubam nossa mobilidade social: estamos preguiçosos de gente e da gente. Nos conectamos através de ondas: nossos relacionamentos estão assim, no modo wi-fi, sem fios nem laços. No mundo das redes, em que parecer é mais importante do que ser, somos o próprio filtro: somos o que gostaríamos de parecer.

A tecnologia é fascinante. Entretanto, quando toca no que mais toca o ser humano —as relações humanas—, tem um grave efeito colateral: o medo de lidar com a complexidade dos relacionamentos —e com a nossa complexidade. Acabamos confinados nas "câmaras de eco", a selfie das opiniões, perto de quem pensa igual a nós.

Relacionamentos customizados não são de verdade. Amizade só acontece se tiver olho no olho, se suportar silêncios, verdades, beleza, feiura. Isso não cabe nas redes. Se não aprendermos como lidar com isso, estaremos fadados a viver como os porcos-espinhos de Schopenhauer, nem tão perto dos outros para não nos machucarmos com os seus espinhos nem tão longe para não morrermos de frio.

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