Conjuntura ideal e receita perfeita dão forma a Paris
A frase já foi atribuída a Oscar Wilde, a Ezra Pound ou mesmo a Ernest Hemingway. "Quando um mau americano morre, ele vai para o inferno. Mas quando morre um bom americano, ele vai para Paris."
A boutade reflete o antigo e assombroso apego que as pessoas ainda hoje sentem pela capital francesa. Não que as pedras de Paris (www.franceguide.com) tenham mais história que as de Roma ou de Jerusalém. Nem que ela seja enfeitada por riquezas como as de Praga ou São Petesburgo.
Mas é simples entender historicamente a atração que Paris exerce. O turismo nasceu na segunda metade do século 19. Era, na época, uma atividade reservada às burguesias oligárquicas com bom lastro cultural e poder aquisitivo maior ainda.
Thibault Camus/AP |
Vista sob o Arco do Triunfo parisiense, que alude às vitórias da França; conjuntura explica atração que cidade exerce |
Pois bem: Paris representava, então, a capital cultural da Europa, com seus museus, óperas, galerias e escritores. E já tinha o maior número mundial de estabelecimentos do comércio de luxo: o local para quem procurava cultura e compras.
Some-se a isso o fato de Paris ser belíssima. Não foi por mero acaso. A França sempre foi um país geográfica e politicamente centralizado. Não tinha suas riquezas espalhadas por capitais provinciais como a Espanha, a Alemanha ou a Itália. Quase tudo que há de belo se concentra no eixo Paris-Versalhes.
Além disso, o Estado francês foi invariavelmente forte. Ele tomava decisões de planejamento, sem levar prioritariamente em conta as ambições urbanísticas do mercado.
Forma geral
Foi então que o Estado desenhou a cidade em seus atuais contornos --os grandes bulevares, as praças simétricas e floridas, os grandes parques como Vincennes e Boulogne-- por obra e graça de um prefeito autoritário, o barão Georges Haussmann (1809-1891), homenzarrão de 1,90 m que acabou com as ruelas medievais e estreitas, onde revolucionários de três revoluções daquela época se isolavam por detrás de barricadas e atiravam contra a polícia e o Exército.
Por opção estética ou por contingência (não existia ainda elevador, e os prédios deveriam ter no máximo seis andares), a cidade se uniformizou em seu gabarito e visual. A mão-de-obra barata permitia que as fachadas fossem feitas de pedra esculpida. A grande concessão ao mercado foi a entrega da construção dos edifícios aos bancos, que já tinham como clientela os burgueses que, por sua vez, comprariam seus apartamentos e desfrutariam do conforto de um urbanismo, para a época revolucionário.
Em resumo, Paris foi mais ou menos como um bolo em que os ingredientes chegaram na hora certa e encontraram o forno na temperatura apropriada.
Cidade relativamente pequena, com pouco mais de 2 milhões de habitantes e em forma de um ovo deitado, com 12 km entre seus pontos extremos, Paris é ainda atravessada por um rio, o Sena, via de transporte que no passado a abastecia de alimentos, tecidos, temperos e vinhos. A chegada da estrada de ferro (uma lei de 1841), fez da França uma espécie de rosa-dos-ventos na qual tudo convergia para a capital.
História
Dentro desse privilegiado perímetro histórico e geográfico, dá para entender o palácio do Louvre, descendente de um castelo medieval que abrigava o rei e que ainda no Antigo Regime, antes da Revolução Francesa, de 1789, já abrigava obras de arte que o público poderia visitar. Dá para entender o Quartier Latin (bairro latino, idioma do ensino universitário), em que surgiu há 800 anos a Sorbonne, onde os jesuítas exerceram sua ditatorial ortodoxia. Dá para entender Notre Dame, a catedral que data da mesma época e que recebe 12,5 milhões de turistas ao ano.
Isso tudo tem uma história mais antiga que a Antigüidade. Os primeiros vestígios de presença humana datam de 40 mil anos. Já era uma cidade importante quando Júlio César a conquistou dos gauleses em 52 a.C.
Chamava-se Lutécia. Da época ainda existem as termas de Cluny, na esquina dos bulevares Saint-Germain e Saint-Michel (há ali um lindo museu de arte medieval), ou as arenas desenterradas pelos arqueólogos a alguns quarteirões dali.
Uniformidade
Paris cresceu e se enriqueceu devagarinho. Não houve um período de decadência histórica ou econômica. Isso deu a ela uma certa uniformidade na datação sucessiva de seus monumentos. E, bem mais recentemente, ela não chegou a ser danificada pelas duas últimas guerras mundiais. Suas pedras foram preservadas.
A França é hoje um país bastante rico. E a partir de 1977 a cidade tem um prefeito eleito --antes era administrada pelo governo central--, que canalizou o dinheiro dos impostos para embelezá-la ainda mais, já que não é preciso construir escolas ou suprir necessidades básicas. Os jardins recebem novas plantas floridas três ou quatro vezes entre a primavera e o outono. Não há buraco nas ruas. E uma lei obriga a limpeza das fachadas, com desconto no IPTU do proprietário.
E a torre Eiffel? Construída para a Exposição Universal de 1889, com 325 m de altura, ela não é --pasmem!-- uma unanimidade. Muitos franceses a consideram feia, de mau gosto. Coisa de novo rico. Mas para os turistas ela virou um forte símbolo. Paciência para os que não gostam. O fato é que, ao se andar por Paris, a gente tropeça em dezenas de símbolos. É provável que nenhuma cidade do mundo possa se dar ao luxo de ter tantos símbolos assim.
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