Facebook estudou cobrar por acesso a dados de usuários

Emails datados de 2012 a 2014 indicam discussões internas sobre ideias para ganhar mais oferecendo acesso a informações

Kirsten Grind
Nova York | The Wall Street Journal

Emails internos demonstram que o Facebook estudou a possibilidade de cobrar por acesso continuado aos dados de seus usuários por outras companhias, alguns anos atrás, uma medida que teria representado uma virada dramática ante a política de não vender esse tipo de informação adotada pela rede social, de acordo com um documento judicial a que o The Wall Street Journal teve acesso em versão não editada.

Mark Zuckerberg, presidente-executivo do Facebook; empresa cogitou cobrar por acesso
Mark Zuckerberg, presidente-executivo do Facebook; empresa cogitou cobrar por acesso - Alain Jocard/AFP

Os emails citados no documento também indicam que empregados do Facebook discutiram a possibilidade de pressionar alguns anunciantes a gastar mais em troca de acesso maior às informações dos usuários.

Somados, esses emails demonstram que a empresa discutiu como monetizar os dados de seus usuários de maneiras praticadas por algumas outras empresas de tecnologia que o Facebook sempre afirmou não empregar.

Em audiência perante o Congresso dos Estados Unidos, em abril, Mark Zuckerberg, o presidente-executivo do Facebook, disse "não há como eu ser mais claro sobre essa questão: nós não vendemos dados".

Os emails, em sua maioria datados de cerca de 2012 a 2014, estão longe de ser conclusivos, e em alguns casos estão truncados e foram citados fora de contexto. Mas oferecem um vislumbre sobre documentos apresentados à Justiça e mantidos em sigilo - um parlamentar britânico na semana passada prometeu divulgá-los - como parte de um processo movido contra o Facebook por uma empresa chamada Six4Three.

Os emails também ilustram o longo debate no Facebook sobre como maximizar o valor das vastas quantidades de dados que a companhia recolhe, e ao mesmo tempo evitar abusos contra a privacidade dos usuários.

A Six4Three, desenvolvedora de um app que já saiu do mercado, abriu um processo contra o Facebook em 2015, acusando a empresa de adotar normas que prejudicavam a livre concorrência e favoreciam determinadas companhias em detrimento de outras. O acesso à maioria dos documentos apresentados como parte do processo é considerado sigiloso, a pedido do Facebook, e por ordem de um juiz da Califórnia.

O The Wall Street Journal viu a íntegra de três páginas de material, parte de um documento de 18 páginas que mostrava trechos de alguns emails internos. Em outras petições referentes ao processo, o Facebook afirmou que os excertos submetidos haviam sido editados, subsequentemente, de forma a ocultar parcialmente seu teor, porque continham "discussões delicadas quanto à análise estratégica interna do Facebook sobre aplicativos de terceiros, cuja divulgação poderia prejudicar o relacionamento" entre o Facebook e esses apps.

Na terça-feira, o parlamentar britânico Damian Collins, que preside o comitê digital, de mídia, cultura e esporte na Câmara dos Comuns, disse que planejava divulgar os documentos que obteve quanto ao processo da Six4Three dentro de cerca de uma semana, depois de editá-los para eliminar dados pessoais.

Collins é um defensor vigoroso do direito dos consumidores à privacidade quanto a seus dados, e crítico severo do Facebook.

Uma porta-voz do Facebook confirmou as discussões sobre cobrança por acesso a dados, e disse que a companhia havia por fim decidido não fazê-lo.

Konstantinos Papamiltiadis, diretor de programas e plataformas para desenvolvedores no Facebook, disse que "os documentos que a Six4Three recolheu para seu processo sem base são apenas uma parte da história, e estão sendo apresentados de uma maneira muito enganosa, na ausência de contexto".

A empresa se recusou a fornecer o texto completo dos emails.

Um representante da Six4Three, que desenvolveu um app que permitia que usuários procurassem fotos de pessoas em traje de banho, não respondeu a pedidos de comentários.

Consumidores e autoridades regulatórias dos dois lados do Atlântico estão tentando compreender de que forma o Facebook usa os dados de seus 2,27 bilhões de usuários ao mês. O Facebook vem sofrendo intenso escrutínio nos últimos 12 meses por suas práticas de compartilhamento de dados de usuários, especialmente depois de a empresa ter revelado, este ano, que a consultoria Cambridge Analytica havia obtido indevidamente dados sobre milhões de seus usuários.

Os emails do Facebook referidos no documento de 18 páginas apresentado ao tribunal e vistos pelo The Wall Street Journal remontam ao final de 2012. Na época, o Facebook havia acabado de emergir de uma oferta pública inicial de ações complicada, e estava lutando para gerar receita com seu produto para aparelhos móveis, e operando sob regras quanto a dados estabelecidas anos antes por Zuckerberg. 

As normas permitiam que dezenas de milhares de desenvolvedores de apps externos tivessem acesso a informações sobre usuários do Facebook, por meio da plataforma da companhia para desenvolvimento de apps. Mas os desenvolvedores estavam obtendo acesso àquele acervo de dados de valor inestimável sem dar nada em troca ao Facebook.

A empresa estava estudando ajustes em sua estratégia, e alguns de seus empregados discutiram maneiras de obter mais receita e dados dos desenvolvedores, mostra o documento da Six4Three. 

Um empregado não identificado do Facebook fala em bloquear o acesso a dados "de vez, para todos os apps que não gastem... pelo menos US$ 250 mil por ano para manter acesso a eles", de acordo com um email citado no documento. O conteúdo integral da mensagem não está incluído no documento.

"Estávamos tentando descobrir como construir um negócio sustentável", disse uma porta-voz do Facebook. "Tivemos muitas discussões internas sobre como isso poderia ser feito".

Algumas das ideias discutidas no documento parecem envolver a possibilidade de que o Facebook recebesse mais verbas publicitárias em troca do acesso aos dados de seus usuários. Essas transações contrariariam a filosofia de negócios declarada da empresa, e teriam ido bem além do acesso preferencial a dados privados oferecido a algumas companhias, como o The Wall Street Journal noticiou anteriormente.

O pano de fundo para algumas dessas discussões era a decisão que o Facebook estava por implementar para impedir que desenvolvedores tivessem acesso a dados sobre amigos de seus usuários, tais como nomes, datas de nascimento, fotos e as páginas curtidas por eles. A empresa anunciou a decisão em 2014, e ela entrou em vigor no ano seguinte.

Em 2013, a companhia negociou um acordo especial com a Amazon, e um funcionário do Facebook mencionou que a Amazon em breve teria acesso mais restrito a dados da rede social. Como resultado, outro funcionário respondeu "teremos ou de ter uma conversa decepcionante com a Amazon ou uma conversação estratégica no contexto de discussões sobre um acordo mais amplo", de acordo com o documento judicial.

Não fica claro a que acordo essas discussões se referiam. Um porta-voz da Amazon disse que a empresa tem acesso a dados do Facebook para "habilitar versões de nossos produtos adaptadas ao Facebook". Ele acrescentou que "só usamos informações de acordo com nossas normas de privacidade".

Quando o Royal Bank of Canada, naquele mesmo ano, expressou preocupação sobre seu acesso a dados, um empregado não identificado do Facebook perguntou em um email interno se o banco tinha um acordo que requeria que ele investisse um valor mínimo em publicidade na rede social a cada ano. Outro empregado respondeu que "acredito que essa será uma das maiores campanhas NEKO já veiculadas no Canadá", citando um acrônimo usado para descrever publicidade de divulgação de apps para celulares.

Um porta-voz do banco disse que este "jamais teve um valor mínimo de investimento ou um acordo sobre metas publicitárias com o Facebook".

Em uma troca de emails citada no documento da Six4Three, empregados do Facebook aparentemente oferecem ao serviço de encontros Tinder, do Match Group, um intercâmbio que manteria o acesso deste aos dados que estavam para ser bloqueados, em troca da marca registrada "Moments", que o Facebook planejava usar em um app de fotografia a ser lançado no futuro.

O Tinder e o Facebook resolveram uma disputa sobre a marca registrada "Moments" anos atrás, e o Tinder "jamais recebeu tratamento especial, dados ou acesso relacionados a essa disputa ou sua solução", disse uma porta-voz do Tinder.

Uma porta-voz do Facebook disse que as empresas não haviam trocado o controle da marca registrada por acesso a dados.

Tradução de PAULO MIGLIACCI
 

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