'Mitificação' de Chávez aumenta desafio eleitoral da oposição
Enquanto o corpo do presidente venezuelano, Hugo Chávez, repousar em um caixão de cristal em seu costumeiro uniforme militar e boina vermelha, uma espécie de ''bandeira branca'' paira sobre um dos ambientes políticos mais polarizados do hemisfério.
Engana-se, entretanto, quem imaginar que a política permanece suspensa na Venezuela enquanto os simpatizantes de Hugo Chávez lamentam a perda do seu líder.
Políticas, tanto quanto humanas, são as filas quilométricas que venezuelanos de todas as partes do país enfrentam por seis, oito, dez horas sob sol a pino pelo privilégio de ver, por meros segundos, o rosto de Chávez ao vivo pela última vez.
E, após o anúncio de que o corpo do bolivariano será embalsamado e permanecerá em exibição por pelo menos mais sete dias, político é também o despontar do ''mito'' Chávez, cujo legado político no curto prazo será dificultar a vida de uma oposição que tentará sua sorte mais uma vez nas eleições que se avizinham.
Os oposicionistas já enfrentavam a questão abstrata de como lutar contra o último pedido aos eleitores feito pelo ''mito'' em vida: o de que o substituíssem pelo atual presidente interino, Nicolás Maduro.
Agora, há a questão mais mundana de como acionar o modo de campanha tendo como principal plataforma a crítica a um morto que nem sequer foi enterrado ainda.
DESEJO
''Há pouco que a oposição possa fazer para mudar isso'', disse à BBC Brasil o sócio da consultoria Datanálisis, o analista político Luis Vicente León. ''O povo está nas ruas aos milhões, não foi uma invenção do chavismo.''
O consultor acredita que foi um erro inicial do governo permitir apenas três dias para acomodar todas as visitações ao caixão de Chávez.
Compara a situação a um livro ''que você publica em tiragem pequena porque acredita que não vai vender muito, e por alguma razão o livro faz sucesso e se esgota rapidamente''.
De todo modo, avalia León, ''agora fica difícil para o governo impedir que a população tenha contato com um líder com a relação popular que Chávez tinha''.
A oposição vinha aguardando o fim das homenagens a Chávez para confirmar a candidatura de Henrique Capriles Radonski, derrotado pelo presidente nas eleições de outubro, na ''revanche'' com o chavismo.
No ínterim, a ''bandeira branca'' virtual da política venezuelana significou que a tradicional mordacidade estampada nas páginas dos jornais e canais de TV simpáticos à oposição desse lugar ao respeito pela dor alheia.
Os dirigentes dos partidos antichavistas têm mantido a discrição, se não pelo mesmo motivo, para evitar declarações em falso que ponham risco seu apoio popular a semanas do pleito eleitoral.
TOM AMENO
Portanto, mesmo considerando que a oposição sai perdendo com a extensão das homenagens a Chávez, muitos analistas creem que a melhor estratégia, para os oposicionistas, seja manter a ''bandeira branca'' hasteada.
Em uma das raras manifestações sobre a mudança na quarta-feira, o presidente editor do diário "El Nacional", de oposição e um dos mais poderosos grupos de comunicação do país, disse esperar que, após o luto por Chávez, a sociedade venezuelana encontre o caminho do "diálogo" e da "paz".
Evitando criticar a decisão de estender as homenagens ao bolivariano, Miguel Enrique Otero preferiu ressaltar que os chamamentos à paz e ao diálogo vieram tanto do governo quanto da oposição.
''Isto quer dizer que no futuro imediato abriu-se a possibilidade de que um primeiro avanço do período pós-chavismo seja a restituição da conversa entre o governo e a sociedade'', argumentou o empresário.
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