É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.
Pobres cansaram dos messias
O número que talvez melhor explique a derrota do chavismo no verdadeiro plebiscito que foi o pleito parlamentar de domingo (6) surge de um estudo do sociólogo Luis Pedro España (Universidade Católica Andrés Bello): o número de lares em situação de pobreza na Venezuela passou de 48,4% em 2014 para 73% este ano.
Em número de pessoas não é diferente: de 52,6% de pobres passou-se a 76%.
É natural, ante essa involução, que a maioria de venezuelanos tenha abandonado o governo que dizia representá-los. Afinal, sua monumental incompetência não conseguiu protegê-los.
É eloquente que uma pesquisa do "Venebarómetro" às vésperas da votação tenha mostrado que o grupo que mais esperava melhorias no país, com as eleições, era justamente o dos chavistas: 67,7% diziam acreditar que a situação do país melhoraria após a votação.
Como todas as pesquisas indicavam folgada vantagem da oposição –de resto confirmada nas urnas– dá para interpretar que nem os chavistas acreditavam na versão oficial de que a crise era culpa da "guerra econômica" supostamente movida pela oposição.
Derrotado no plebiscito, o presidente Nicolás Maduro fica sem chão para insistir na tese de "guerra econômica" e, ainda por cima, sem o controle da única instituição, a Assembleia Nacional, que escapa ao torniquete chavista.
O segundo homem do bolivarianismo, Diosdado Cabello, fica sem a presidência da Assembleia Nacional, da qual abusava despudoradamente.
É cedo ainda para saber como o chavismo reagirá à perda da invencibilidade eleitoral (antes, perdera apenas um plebiscito, cujo resultado logo reverteu).
Maduro é tosco demais para tirar do resultado a lição de que seu modelo supostamente socialista do século 21 é tão fracassado como o foi o do século 20.
Editoria de Arte/Folhapress | ||
Haverá no chavismo alguma sobra de inteligência para tentar corrigir a situação crítica em que se encontra o país? Ou haverá, como o próprio Maduro prometeu antes do voto, uma fuga para a frente, no sentido de radicalizar o modelo, o que significaria radicalizar o fracasso?
Pode ser, mas é preciso levar em conta que, pondo a Argentina no quadro, a esquerda perdeu a segunda votação consecutiva em apenas 15 dias, depois de 15 anos de triunfos ininterruptos, com a exceção da vitória de Sebastián Piñera no Chile.
Ou seja, já não haverá silêncio cúmplice ou apoio a aventuras.
Os pobres, inegavelmente beneficiados nesses 15 anos na América do Sul, cansaram dos seus messias agora que eles já não podem entregar novas benesses nem manter as antigas.
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