Para chavistas fiéis, crise econômica na Venezuela é campanha da oposição
Na manhã de sábado, 28, centenas de venezuelanos lotaram uma praça no centro de Caracas para uma feira de produtos a preço regulado anunciada pela mídia oficial.
Ao chegarem, nenhum sinal do mercadinho estatal.
Miguel Gutiérrez/Efe | ||
Cartaz de militantes chavistas coloca opositores como vendedores do país aos EUA em Caracas |
Uns se irritaram com o governo de Nicolás Maduro, a quem acusaram de ser incapaz de cumprir o prometido. Outros culparam a oposição por supostamente plantar a confusão e gerar raiva contra o chavismo às vésperas da eleição parlamentar, dia 6.
"Opositores são um bando de malditos que querem nos impedir de comer", esbravejou Magali Losada, 59, ecoando a tese governista de que a crise econômica e o desabastecimento são orquestrados por empresários golpistas.
"Sei como foi a Quarta República [governos que antecederam a eleição de Hugo Chávez, em 1998] e meu maior pavor é que esta gente volte."
O Ministério da Alimentação admitiu, horas depois, que as feiras não chegaram a todos os lugares onde deveriam e prometeu novo mutirão nos próximos dias.
Alheia a críticas, Losada é parte do núcleo duro de simpatizantes que continua a apoiar o chavismo, em contraste com o sentimento dominante de insatisfação.
Todas as pesquisas de intenção de voto preveem maioria opositora no próximo Parlamento. Mas, repetindo padrão histórico, o chavismo ganha força conforme se aproxima o dia do voto.
Levantamento do instituto Datanálisis divulgado nesta quarta (2) indicou contração abrupta da vantagem opositora: 55,6% dos entrevistados disseram que iriam votar na MUD (Mesa da Unidade Democrática), contra 36,8% a favor do governo. O Datanálisis colocava a MUD 35 pontos na frente no mês passado.
A pesquisa também mostra que a popularidade de Maduro subiu de 21% em outubro para 32% em novembro. O salto é atribuído pelo instituto, em boa parte, à capacidade da campanha governista de reforçar o vínculo com Chávez, morto em 2013.
A herança de Chávez surge como mantra em conversas com a parcela mais leal de simpatizantes.
"Graças a meu comandante, tenho um bom emprego", diz Losada, que trabalha há quatro anos para o Instituto Nacional de Espaços Aquáticos. Paciente de câncer, se diz grata a Chávez por remédios e hospitais gratuitos.
Margarita Rodríguez, 66, conseguiu emprego na estatal petroleira PDVSA e parece acreditar na ameaça, alardeada por uma mídia quase toda cooptada, de que a oposição acabaria com a ajuda aos mais necessitados.
"A oposição quer ganhar a Assembleia Nacional para, aos poucos, ir retomando o governo. Se conseguirem, tenho certeza que me tirariam o emprego", diz Rodríguez, que também fora à feira.
"Ninguém se importava com os idosos até Chávez. Ele nos deu pensões dignas e nos tratou com carinho".
ANÚNCIO ENGANOSO
A lealdade chavista era evidente em outro comício na favela El Valle, sul de Caracas.
Propaganda do evento anunciava a inauguração de uma obra de canalização de esgoto. Mas o único ato foi um breve discurso do chefe da campanha chavista, Jorge Rodríguez, prometendo a inauguração "em breve".
"O governo faz o que pode, temos que dar um desconto, já que ele está sendo sabotado pela 'guerra econômica'", disse a dona de casa Marlyse Garcia, 44, eufórica com seu boné e camiseta vermelhos.
O entusiasmo dos mais fiéis, porém, não esconde o desgaste. Marchas e eventos governistas reúnem hoje uma fração de simpatizantes do que havia na época de Chávez, apesar da pressão, amplamente relatada à Folha por participantes, para que todos os servidores e funcionários de estatais se vistam de vermelho e participem.
"Antes todo mundo aqui era chavista", diz Yesenia Lara, 25, moradora da favela El Valle. "Hoje a comunidade está rachada.
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