Luciana Coelho

Secretária-assistente de Redação, foi editora do Núcleo de Cidades, correspondente em Nova York, Genebra e Washington e editora de Mundo.

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Luciana Coelho

'Eletric Dreams', série na Amazon, traz futurismo vintage de Philip K. Dick

Crédito: Divulgação Cena de 'Autofac', com Janelle Monaé, um dos contos de 'Eletric Dreams
Cena de 'Autofac', com Janelle Monaé, um dos contos de 'Eletric Dreams'

É nostálgico e árido o futuro vislumbrado por Philip K. Dick (1928-82), e "Eletric Dreams", a série-antologia com dez episódios inspirados pela obra do escritor que o Channel 4 e a Sony produziram e a Amazon Video estreou neste mês no Brasil capta bem essa atmosfera futurista-vintage que o separa de outras distopias atualmente na TV, notadamente as de "Black Mirror".

O título vem da obra mais popular do romancista americano, "Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?", que completa 50 anos neste ano (a edição comemorativa lançada em 2017 pela Aleph é lindamente ilustrada) e inspirou o clássico "Blade Runner", dirigido por Ridley Scott em 1982 e recentemente revisitado pelo canadense Denis Villeneuve em "Blade Runner 2049".

Embora a estética tenha sido parcialmente atualizada na série, os diretores mantiveram muito da iconografia original, como carros voadores, emaranhados de viadutos e arranha-céus a la "Jetsons". Assim "Eletric Dreams" se torna muito menos naturalista que, por exemplo, "Black Mirror" ou "The Handmaid's Tale", assumidamente "ficções sociais" mais do que ficção científica.

Pensados no auge da Guerra Fria –como toda a obra de Dick– e permeados pela estrutura narrativa policial, seus personagens, ainda que guardem ambiguidade, são mais opacos –heroicos ou vilanescos– do que os de produções recentes, o que reforça o espírito futurista-vintage da antologia. A fixação de PKD por ETs e androides também ativa a memória afetiva de quem cresceu com "Além da Imaginação".

A tecnologia e os tons soturnos das histórias imediatamente evocarão as demais distopias no ar, mas na antologia de PKD interessa muito mais o aspecto psicológico dos personagens e os buracos negros da mente do que o fetiche tecnológico em si ou o poder que ele exerce.

Mas se em "Black Mirror" a tecnologia é personagem ou alegoria (ao menos, até a penúltima temporada), em "Eletric Dreams" ela é um instrumento quase lisérgico a serviço do autor e de seus personagens.

Há, como sempre há em antologias, altos e baixos entre as adaptações. Mas o patamar mínimo já a põe acima da média, com uma direção de arte impecável e elenco coalhado de pesos-pesados (Steve Buscemi, Bryan Cranston, Anna Paquin, Terrence Howard, Greg Kinnear, Mirelle Enos, Geraldine Chaplin, Janelle Monaé, Maura Tierney etc).

Pelo menos dois episódios são excelentes –o estrelado por Cranston, "Human Is", sobre um general com o casamento à beira do colapso que retorna diferente do combate; e o primeiro, "Real Life", em que Paquin e Howard revezam o mesmo personagem em um contínuo hipnotizante de ficção e realidade que nos deixa em dúvida sobre o que é fato e o que é construção do subconsciente.

A Amazon já estreara, com menos sucesso, outra adaptação do escritor, "O Homem do Castelo Alto", sobre um futuro no qual os EUA perderam a Segunda Guerra. Com "Eletric Dreams", a plataforma de Jeff Bezos se coloca, definitivamente, no mesmo ringue de Netflix e HBO.

"Eletric Dreams" está disponível na Amazon Video

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