Neve no Saara e rios de lama nos mesmos lugares onde houve os incêndios florestais da Califórnia fornecem imagens fortes do aquecimento global. A notícia de maior impacto da semana sobre mudança do clima partiu de Nova York, porém –e não é o frio que está fazendo por lá.
O coração do capitalismo financeiro mundial começa a divorciar-se do petróleo. Por iniciativa do prefeito Bill de Blasio (Partido Democrata), a cidade ataca o pai dos combustíveis fósseis (e primo do carvão mineral) em duas frentes: econômica e judicial.
O primeiro golpe está em preparo pelos fundos de pensão dos funcionários municipais. Seus dirigentes receberam a instrução de encontrar uma maneira de desinvestir seu patrimônio em papéis de empresas petrolíferas sem prejudicar os rendimentos.
São US$ 5 bilhões em jogo, de um total de US$ 189 bilhões. Os fundos já tinham engatado marcha à ré com títulos da indústria de carvão, mas eram só US$ 60 milhões investidos, segundo o jornal "The New York Times".
A outra pancada tem um componente mais simbólico do que prático: a prefeitura abriu processo na Justiça contra cinco Grandes Irmãs: BP, Chevron, Conoco Phillips, Exxon Mobil e Royal Dutch Shell. Pede ressarcimento por tudo que já gastou e vai gastar com remediação e adaptação para eventos climáticos extremos, como as enchentes do furacão Sandy (2012).
Não é a primeira cidade a enveredar pela judicialização climática. São Francisco e Oakland, por exemplo, já fizeram isso –mas todo mundo sabe que a Califórnia fica em outro planeta, que entre outras esquisitices já foi governado por Arnold Schwarzenegger, uma contradição ambulante (republicano e verde).
Imagine se a moda pega. Neste ano, o furacão Harvey deixou outra metrópole americana debaixo d'água, Houston, no Texas, impondo prejuízos de US$ 125 bilhões. E Maria arrasou Porto Rico (US$ 90 bilhões).
E olhe que esse foi apenas um dos 16 desastres com danos bilionários nos EUA, responsáveis em conjunto por perdas de US$ 306 bilhões -aí incluídos os incêndios florestais californianos. Se computados todos os flagelos climáticos, bilionários ou não (219 eventos), o custo monta a US$ 1,5 trilhão.
Claro que nem todos esses desastres podem ser atribuídos à mudança do clima. E mesmo nos casos em que isso parece óbvio, como a temporada inédita de furacões mortíferos, fornecer uma prova científica admissível na Justiça não será trivial.
Considere, contudo, que de início ninguém acreditava nos processos contra a indústria do tabaco. As empresas do setor gastaram fortunas semeando dúvidas científicas sobre o elo causal entre fumar e ter câncer, receita copiada durante anos pelas firmas de petróleo e seus paus-mandados negacionistas (com sucesso desproporcional na imprensa, sempre pronta a cair na armadilha do "outro lado").
Deu no que deu.
Fora dos Estados Unidos, onde a Justiça coleciona dezenas de casos como o de Nova York, existem pelo menos 250 ações judiciais relacionadas com mudança do clima. A informação surge do banco de dados compilado pela advogada brasileira Joana Setzer no Instituto Grantham da London School of Economics.
Enquanto isso, no Brasil, discute-se o acordo de US$ 3 bilhões que a Petrobras fechou nos EUA para ressarcir investidores prejudicados pelas malfeitorias investigadas na Lava Jato.
Corrupção aleija, é verdade. Já a mudança do clima mata.
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