Marcus André Melo

Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).

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Marcus André Melo

O Judiciário contra a democracia?

Crédito: Sergio Lima/Folhapress Sessão no plenário do STF
Sessão no plenário do STF

Governantes que abusam do poder em democracias satanizam o Judiciário e as procuradorias. Silvio Berlusconi denunciou "a toga rossa" -os "magistrados vermelhos". Jacob Zuma, o presidente sul-africano que responde a 783 processos, acusou o Procurador-Geral de perseguição. Donald Trump demitiu 46 procuradores - 47 já haviam pedido demissão antes. E criticou abertamente o Judiciário: "juízes federais não são eleitos", como se as urnas devessem garantir impunidade.

O Judiciário independente é a solução democrática para a "justiça" praticada por autocratas ou por maiorias de ocasião. É remédio a um só tempo para a arbítrio do tirano e para a sanha incontida da turba.

As acusações infundadas ao Judiciário confundem-se no debate público brasileiro com críticas legítimas. De fato, não cabe ao Judiciário usurpar escolhas políticas próprias dos demais poderes embora seja cada vez mais provocado a fazê-lo. A linha de demarcação da separação de poderes é tortuosa e exige autocontenção. Da mesma forma são intoleráveis as patologias patrimonialistas de seu aparato burocrático.

Mas é preciso lembrar que o crime colonizou as instituições no país, afetando até mesmo as judiciais. Essa gravíssima politização do crime tem sido percebida apressadamente como criminalização ou interdição da política.

A judicialização da política -que é universal- não significa necessariamente usurpação. Reflete a transferência -por omissão ou provocação- de decisões de elevado custo político do legislativo para o Judiciário. E no caso brasileiro também o hiperprotagonismo judicial induzido por demandas crescentes por arbitragem produzidas pela crise política (que o individualismo na corte acirra).

Contrapor democracia e Judiciário é equívoco sério, sobretudo em matéria criminal. John Ferejohn (New York Law School), propôs a fórmula "Judiciário dependente, juízes independentes" para expressar o dilema envolvido. Um Judiciário insulado engendra um déficit democrático. Para mitigá-lo os Federalistas propuseram a nomeação e confirmação dos membros das cortes superiores pelos poderes eleitos e não auto-recrutamento. Assim ao decidirem sobre questões com implicações políticas e morais expressarão valores majoritários.

De outra forma seriam percebidos como fora de sintonia com o seu tempo ou auto-referidos. Esse nexo político com os poderes eleitos contrasta com a grande independência assegurada aos juízes através de prerrogativas individuais amplas.

O desafio institucional do Judiciário é conciliar o majoritarianismo decorrente do caráter político da investidura com o constitucionalismo que é contramajoritário por excelência. Não há fórmula pronta.

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