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Família de ex-boia-fria reclama de fala de Lula e "prova" que tênis não é da burguesia
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MARCEL MERGUIZO
DE SÃO PAULO
Até os 30 anos, José Pereira da Silva desconhecia o tênis. Esporte para o boia-fria era apenas futebol, que ele jogava quando terminava o trabalho diário na roça. No entanto, uma semana de férias na casa do irmão que mora em Curitiba mudaria esta história.
Sem nada para fazer na capital paranaense, o agora apelidado Pernambuco resolveu ajudar em uma obra como servente de pedreiro. Mais do que quadras em uma academia de tênis, estava construindo o futuro da família Pereira.
Diego Singh/Folhapress |
Pernambuco posa dentro da primeira quadra de tênis que ajudou a construir, em Curitiba (PR) |
Quase 20 anos depois, o ex-boia-fria continua em Curitiba, pouco mais de um ano depois também migraram para lá a mulher Maria Nice e os cinco filhos nascidos em Santana do Ipanema (AL) --apesar de a família morar no povoado de Barra da Tapera (PE), em Alagoas o custo dos partos era mais baixo. Desde então, a família Pereira ganhou mais dois descendentes paranaenses e, dos sete filhos, dois se tornaram profissionais do tênis.
Teliana Pereira, 22, chegou a ser número 1 do Brasil e 196ª do mundo em 2007, mesmo ano em que conquistou a medalha de bronze nos Jogos Pan-Americanos do Rio, em duplas, ao lado de Joana Cortez. Lesionada, a tenista ficou quase um ano fora das quadras e retornou aos torneios há cerca de um mês (ainda está sem ranking). Já José Pereira Jr. deixou os campeonatos juvenis a menos de um ano e, hoje, figura como 505º do ranking da Associação de Tenistas Profissionais (ATP). É considerado uma promessa do tênis brasileiro.
Para Pernambuco, esta é a malhor resposta para quem considera o tênis esporte da burguesia:
"Tênis não é esporte de burguês. É um esporte normal, e um dos mais legais. Claro que muitas pessoas carentes não têm acesso. Mas, se você for ver, hoje, já tem uns 20% (dos praticantes) que não são ricos", diz à Folha.com.
Hedeson Alves/Divulgação |
Teliana Pereira em ação no torneio de Campos do Jordão |
"Olha o meu caso. Fui trabalhar na construção de quadras e meus filhos viraram boleiros. Chegavam a ficar pegando bola em 12 jogos por dia para guanhar R$ 3, R$ 4 por jogo. E para a gente, aquele dinheirinho era importante. O que eles ganhavam era metade da nossa renda. E se pedir para a Teliana, ainda hoje, ela fica de boleira se precisar. O tênis ensina muito, sabe? Atualmente, eles se mantêm com o que ganham no tênis", afirma o pai, orgulhoso.
Pernambuco se refere ao vídeo que mostra o presidente Lula e o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, em uma situação embaraçosa com o estudante Leandro dos Santos de Paula, 18. O rapaz aparece reclamando para Lula que não pode jogar tênis no complexo esportivo que recebia a visita do presidente, no Rio, ao que Lula responde: "Tênis é esporte da burguesia". Depois, Leandro diz a Lula que também não pode nadar porque a piscina do local fica fechada durante os finais de semana.
"Acho que o Lula errou. Ele deu uma bola fora, sabe? Igual no tênis (risos). Sempre votei nele, é meu conterrâneo. Mas desta vez, exagerou", diz o pernambucano que há seis anos constrói quadras de tênis na região. "O problema é que praticamente só construo quadra em casa de rico, em chácara, em condomínio fechado... Tudo particular. Nesses anos todos, acho que nunca construí uma quadra pública. Ou em uma escola para crianças jogarem tênis. Nos últimos anos construí umas 20. As que reformei nem sei quantas foram. E só em escolas particulares. Uma quadra de saibro sai por R$ 45 mil, com iluminação e tudo. A manutenção mensal, muito boa, uns R$ 350. Então, poderia ser feito pelos governos, não?", reflete.
Hedeson Alves/Divulgação |
José Pereira Jr. rebate bola em Campos |
FILHOS PROFISSIONAIS
Filhos do ex-boia fria Pernambuco, Teliana Pereira e José Pereira Jr. estão disputando o circuito profissional ao mesmo tempo juntos há cerca de um mês.
Pegadores de bolinhas nas quadras do clube onde o pai trabalhava quando eram crianças, ambos reconhecem que o tênis é um esporte caro, mas descartam o rótulo de esporte de burguês, dito pelo presidente Lula em um vídeo que foi postado na internet há algumas semanas.
"O Lula, às vezes, dá uma dessas. É lamentável! Ele está certo que o tênis é um esporte caro, mas também abre muitas portas. Não é de burguês, não tem a ver. E uma declaração dessas afasta as pessoas simples. Vão ficar com um pé atrás", reclama Teliana, que recentemente assinou contrato com o clube Pinheiros, de São Paulo, e conta com outros dois patrocinadores para bancar suas viagens e material esportivo.
"Cheguei em Curitiba com 3 anos e aos seis já era boleiro. Só via pessoas de elite praticando tênis. Mas tem pessoas humildes que jogam também. E minha família é o melhor exemplo de que não é esporte de burguês", afirma José Pereira Jr., que joga pelo Instituto do Tênis desde os 13 anos e conta com outros três patrocinadores atualmente. "Não tínhamos como comprar nem uma raquete e hoje estou no circuito profissional. Nunca sofri preconceito. No começo eu era boleiro, ganhava tênis, raquete, roupa para jogar. Hoje, quando lembro essa época, tenho ainda mais vontade de jogar e ganhar", conclui.
Arquivo pessoal | ||
Família Pereira: (da esq.) Valdelice, Pernambuco, Leila, Júnior, Teliana e Maria Nice; (abaixo) Renan e Renato |
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