|
Elas
podem ser maioria, mas enfrentam preconceito
Rodrigo Zavala
Equipe GD
Existem vários
mitos a respeito da diferença de tratamento que homens e
mulheres recebem no ambiente de trabalho. Alguns dizem que mulheres
custam mais caro à empresa; outros, que não existe
discriminação salarial entre sexos. A revista Veja,
por exemplo, está entre estes últimos. Acredita que
o discurso sobre rendimentos femininos inferiores é um erro
de pesquisas apressadas - como as apresentadas pelo Grupo Catho
- e de discursos simplistas de grupos feministas.
Com o título
de "Elas já são maioria na firma", a publicação
traz uma reportagem bastante positiva sobre a inserção
das mulheres no mercado de trabalho. A certa altura do texto, chega
a garantir: "Quando ocupam a mesma função e têm
o mesmo currículo e experiência, as mulheres recebem
o mesmo que os homens". Ou seja, com oportunidades iguais,
não há diferença.
O mais curioso
é que uma das bases para a afirmação é
uma suposta auto-crítica feita por Thomas Case, presidente
do grupo Catho, especializado em Recursos Humanos. Case admite,
na matéria de Veja, que a distância de 20% na remuneração
entre sexos, calculada em recente pesquisa de sua autoria, é
uma análise equivocada. Na reportagem da revista, Case assegura
que o bloco de mulheres ganha menos pois a qualidade dos currículos
masculinos é superior. Ou seja, por estarem a mais tempo
dominando o mercado de trabalho, os homens possuiriam mais experiência
e ganhariam mais.
A tese da Veja
contraria a posição não só de feministas,
mas de diversos pesquisadores que estudam o problema a fundo, sem
pressa, tanto brasileiros como internacionais. A própria
matéria apresenta dados de uma recente pesquisa da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) que mostra a desproporção
salarial entre sexos. Sem dúvida um dado positivo, em dez
anos a diferença caiu de 32% para 22%. No entanto, a pesquisa
não deixa de mencionar o que a entidade intitulou como "teto
de vidro" - uma faixa invisível que impede mulheres
de ascender profissionalmente dentro de uma empresa.
Jaime Mezzera,
diretor adjunto da OIT, afirma que existem motivos para se comemorar,
mas crer no fim das diferenças é ingenuidade. "As
mulheres não ocupam nem 6% do alto escalão de empresas",
afirma. Ele também critica a visão de "currículos
superiores". Mezzera não vê como comparar o currículo
de 32 milhões de homens com os 22 milhões de mulheres
no mercado de trabalho brasileiro. "Não se pode qualificar
experiência em bloco."
Segundo ele,
uma forma de comparação é analisar a relação
renda e escolaridade. Nesse quesito, os números continuam
alarmantes. A diferença de renda entre homens e mulheres
com os mesmos anos de estudo é de quase 100%. A explicação
está no salário da mulher negra. "Elas sequer
podem pleitear alguns trabalhos de diretoria, são fadadas
ao subemprego", explica. Percebe-se, por isso, que a realidade
escolhida pela revista para servir de comparação deve
ser apenas a das trabalhadoras brancas.
O professor
emérito de comportamento organizacional da London Business
School, Jonn W. Hunt, chegou a escrever no jornal americano Financial
Times que todas as concessões legais feitas na Europa em
prol da mulher são decepcionantes. Elas não ocupam
sequer 5% da diretoria executiva de empresas na União Européia.
No resto da Europa, a proporção é de 2%. "Há
barreiras explícitas e ocultas", conclui o britânico.
Leia
mais:
Mulheres
e negros ainda são discriminados no mercado de trabalho
Mulher
negra enfrenta tripla discriminação no trabalho
Mulheres
ocupam apenas 3% dos postos de comando, aponta OIT
Leia
também:
Elas
já são maioria na firma
|
|
|
Subir
|
|
Elas
já são maioria na firma
Existem vários
mitos a respeito da diferença de tratamento que homens e
mulheres recebem no ambiente de trabalho. Um dos principais, repetido
constantemente por entidades feministas, é o de que as mulheres,
só pelo fato de ser mulheres, teriam um rendimento salarial
inferior ao dos homens. A afirmação sugere que uma
mesma empresa contrata um homem e uma mulher para uma função
de mesmo nível e paga mais a ele que a ela como parte de
um complô machista.
Conclusões
apressadas como essa são alimentadas por pesquisas divulgadas
por empresas especializadas em recursos humanos. Uma das pesquisas
mais citadas é feita pelo Grupo Catho, renomada consultoria
de colocação profissional com sede em São Paulo.
A Catho não apenas aponta em seus estudos a existência
de uma diferença salarial entre homens e mulheres, como calcula
a distância de remuneração entre os sexos.
De acordo com
os dados mais recentes, as mulheres ganhariam 20% a menos que os
homens, mesmo trabalhando no mesmo cargo. Atenção:
essa conclusão é equivocada. Não há
complô machista algum no mercado de trabalho. Quando ocupam
a mesma função e têm o mesmo currículo
e experiência, as mulheres recebem o mesmo que os homens.
Procurado por
VEJA, o presidente do Grupo Catho, Thomas Case, admitiu que a pesquisa
de sua empresa dá margem a uma interpretação
errada e explicou o que seu estudo quis dizer. "Como estão
há menos tempo no mercado de trabalho, é natural que
as mulheres tenham um currículo menos qualificado e também
possuam menos experiência que seus colegas homens", afirmou
Case. "A diferença, que tende a zero com o passar do
tempo, nada tem a ver com discriminação sexual, mas
com qualificação." Para não restar dúvidas:
o bloco das mulheres ganha menos que o dos homens apenas porque,
na média, a qualidade do currículo deles é
superior. Quando os currículos são iguais não
há diferença salarial.
O ritmo da redução
dos blocos vem sendo medido pela Organização Internacional
do Trabalho. A última rodada de estudos feita pela entidade
englobou quinze países latino-americanos. O trabalho mostra
que, em razão do aumento do rendimento das mulheres nos últimos
tempos, a desproporção salarial entre os sexos caiu
de 32% para 22% na última década. (Leia a íntegra
da pesquisa - em espanhol. É necessário o software
Adobe Acrobat.) Nos Estados Unidos e na Europa, a diferença
é inferior a 10 pontos porcentuais. Segundo os especialistas,
num prazo máximo de vinte anos as rendas estarão igualadas.
É algo notável, considerando-se que as barreiras culturais
contrárias à entrada das mulheres no trabalho começaram
a ser derrubadas há relativamente pouco tempo. Num primeiro
momento, elas participaram no mercado apenas em áreas como
enfermagem, secretariado e fonoaudiologia, entre outras. Hoje, já
ocupam parte considerável dos postos disponíveis em
antigos redutos masculinos, como engenharia e alta tecnologia. "Estamos
assistindo ao fim de uma era marcada por preconceitos", afirma
Laís Passarelli, sócia da consultoria em recursos
humanos que leva seu nome.
Até
pouco tempo atrás, as mulheres levavam desvantagem nos processos
de seleção não apenas por ter menos experiência
e um currículo mais pobre que o de seus concorrentes masculinos.
Muitas empresas acreditavam que a atenção dada por
elas ao lar, ao marido e aos filhos poderia representar um empecilho
ao trabalho. Essa visão retrógrada e preconceituosa
está definitivamente enterrada. O que era visto antes como
um fator negativo, hoje é encarado como uma qualidade. "O
mercado de trabalho atual exige profissionais polivalentes, que
é uma das principais características femininas",
afirma o consultor Simon Franco, presidente para a América
Latina da TMP Worldwide. "Desde cedo, elas aprendem a ser versáteis
na vida, acumulando funções e exercendo ao mesmo tempo
os papéis de filha, mãe e esposa." Empresas como
a Rhodia registram hoje um índice acima de 60% de mulheres
entre os recém-contratados. Há duas décadas,
esse número não passava de 20%. Áreas como
medicina, direito e arquitetura tiveram um aumento de 300% na participação
feminina nos últimos dez anos. Esse crescimento pode ser
notado até mesmo nas linhas de produção das
montadoras de veículos. Na Ford, por exemplo, 15% dos funcionários
envolvidos na montagem de caminhões são mulheres.
Há dez anos, o setor só tinha homens.
No Brasil, as
mudanças ocorrem num ritmo impressionante. Dos 10,1 milhões
de postos de trabalho abertos no país entre 1989 e 1999,
quase 7 milhões foram ocupados por mulheres. Ou seja: sete
em cada dez novas vagas no mercado são preenchidas por profissionais
femininas. Quase 30% delas possuem mais de dez anos de escolaridade,
contra 20% dos homens. Dentre os executivos masculinos, 40% têm
curso superior - entre as mulheres, o índice é de
aproximadamente 50%. Além de levar vantagem nos processos
de seleção, as mulheres evoluem mais rápido
dentro da empresa. O ritmo das promoções entre elas
é cerca de três anos mais rápido que o registrado
no universo masculino.
A presença
de figuras femininas no topo da pirâmide corporativa ainda
é uma exceção. Segundo uma pesquisa recente
realizada pelo Instituto Ethos e pela Fundação Getúlio
Vargas, de São Paulo, apenas 6% dos cargos de chefia das
500 maiores empresas brasileiras são ocupados por mulheres.
Entre elas estão Maria Sílvia Bastos, presidente da
Companhia Siderúrgica Nacional, e Marluce Dias, executiva
da Rede Globo. Uma das explicações para essa distorção
é que ainda não houve tempo para as mulheres chegarem
ao topo, pois estão no mercado há relativamente pouco
tempo. Alguns países desenvolvidos criaram mecanismos para
facilitar a escalada delas. Bélgica, Dinamarca, Finlândia,
França e Suécia mantêm programas bastante evoluídos
para que as mães possam deixar seus filhos aos cuidados de
profissionais enquanto trabalham. Trata-se de um sistema eficaz
de ensino integral, creche e acompanhamento escolar para cuidar
das crianças. Tais programas são fundamentais, porque
as estatísticas demonstram que os filhos diminuem a chance
de a mulher entrar no mercado de trabalho. Nos Estados Unidos, a
participação feminina declina entre 10% e 30% para
cada criança gerada. No Brasil, o índice varia de
9% a 38%. "O crescimento das mulheres no âmbito profissional
é um processo que corre paralelamente ao do amadurecimento
da sociedade", afirma Jaime Mezzera, diretor-adjunto da Organização
Internacional do Trabalho no Brasil. "O desafio agora é
romper esse teto de vidro que breca a ascensão feminina ao
topo da hierarquia."
As empresas
onde a participação delas cresceu nos últimos
anos registram grandes transformações no ambiente
de trabalho. Aos poucos, segundo os especialistas, alguns valores
femininos começam a ser absorvidos pelas companhias, como
a importância do relacionamento interpessoal, da cooperação
no lugar de competição e uso de motivação
e persuasão em vez de ordem e controle. "Isso cria um
espaço profissional mais harmônico, que tem um impacto
positivo na produtividade", afirma Maria Aparecida Fonseca,
diretora de recursos humanos do Grupo Pão de Açúcar,
uma das muitas empresas que se preocupam em se "desmasculinizar".
(Veja)
|
|
|
Subir
|
|
|
|