Nina Horta
Bolos que explodem
Escribà, espanhol que acaba de publicar livro, faz doces nada comportados que lembram Miró, Dalí
Tínhamos aqui uma boleira fabulosa. Patrícia Schmidt. E, como nas histórias de fadas, um dia foi a Barcelona conhecer as artes de um príncipe "pastelero" que ela admirava muito e muito, Escribà. ("Escribà -- El Arte de Convertir la Pastelería en Ilusión", assim se chama o livro que saiu agora, contando a história dos dois e da família inteira, de 1906 até hoje, em espanhol e catalão, pela RBA). Pois não é que Christian Escribà não deixou que Patrícia voltasse? E numa casa de João e Maria, vivem felizes para sempre.
Mas quem é esse Escribà que nos roubou a boleira dos casamentos, das flores delicadas, da doçura dos alfenins, da brancura dos lírios? Neto de padeiros, filho de Antoni Escribá, "uma referência gastronômica do século 20, um revolucionário do mundo do chocolate. Foi o primeiro homem de vanguarda da gastronomia espanhola", afirma Ferran Adrià.
Nada a ver com o que já vimos. Não são bolos comportados como conhecemos. Lembram Miró, Dalí, Picasso, castelos de massas, esculturas, performances, pão que se transforma em argila, em metal, em qualquer coisa. Pois o pai, o "jefe", o rei, não fez cópias perfeitas de obras de arquitetura? E o que dizer da reprodução do David de Michelangelo, arrancado de um bloco de chocolate de 280 quilos?
Parece que Antoni não entendia que bolos e pães deveriam se comportar como bolos e pães. E ele, Christian, o marido de Patrícia, saiu ao pai. Já morava no castelo, a loja é um monumento pequeno, modernista, elaboradíssimo, com vitrais, cobres, cristais, mármores e ferros. Fundada em 1820, enquistada nas Ramblas, junto do mercado da Boquería.
A primeira vez que vi alguma coisa dele, do Christian da Patrícia, foi no YouTube. Era uma festa de casamento, era o bolo de casamento do Ferran Adriá. Não entendi.
Me pareceu uma escola de samba europeia, em vez de índios com cocares e baianas, nobres fantasiados e dançando, um carro alegórico com uma porta-bandeiras de peruca de algodão doce que distribuía pedaços de bolo, mas aquilo não era um bolo, tremia, dançava, ria, pulava. Dei de ombros, também não entendo Miró nem Picasso, nem Dalí, e ele se parecia com todos. O que era? Uma performance. Tudo de chocolate e doce.
E ele, o Christian, o príncipe, se explica. Não se casa todo dia, além dos simples pães, dos croissants, das "monas", dos pirulitos, vamos fazer doces que sejam um show, que emocionem.
Você, para entender aquele mundo, tem de ter sensibilidade ou amar Gaudí como um catalão. Preparado para ver bolos que explodem, que soltam bolas de sabão, fogos de artifício, que interagem com os festeiros, loucura linda.
Eu não conhecia nada disso. Conhecia Patrícia Schmidt, a nossa boleira. E um dia ela vem de Barcelona e deixa um presente em minha casa. Caixinhas perfeitas, como as de joias, mesmo, e dentro... joias. Anéis de caramelo, coleções deles, cada um mais bonito que o outro, o presente ideal para quem só quer se fazer lembrado para sempre.
Ah, esse Escribà... Não há quem não se apaixone por ele.