38ª Mostra de Cinema de SP
Crítica - Documentário
Longa faz poesia com histórias e paisagens do litoral espanhol
'Costa da Morte', sobre a Galícia, aborda cotidiano de região de naufrágios
A câmera fica quase sempre longe, em plano aberto para o máximo da paisagem: a imensidão do mar, a pesca no rochedo, o fogo na mata, a explosão na pedreira, a festa. Pequeninos e distantes, os moradores falam, contam sobre os percalços da vida, lembram histórias da vizinhança.
"Costa da Morte" é um original documentário sobre uma região da Galícia, no noroeste da Espanha. Histórico ponto de naufrágio, o lugar, no Império Romano, era considerado o fim do mundo. Hoje seus habitantes compartilham um cotidiano simples e de muito trabalho.
A intensidade da natureza impressiona. Lentamente o diretor Lois Patiño --nascido ali perto, em Vigo, em 1983-- vai mostrando como os moradores interagem com aquele cenário deslumbrante, calmo e selvagem ao mesmo tempo.
Agarrados em rochas, homens desaparecem quando vem a onda gigante. Envoltos em névoa, madeireiros fazem soar a motosserra. Em encostas com vista para o mar, agricultores ficam ofegantes na labuta. Na beira da praia, mulheres catam mariscos e jogam conversa fora.
Surgem histórias de quando navios naufragaram por ali. Uma vez, durante a Segunda Guerra, chegou à praia um carregamento de leite condensado. Pensaram que fosse tinta e saíram pintando as casas. Em outra, deram com fardos de chocolate.
Os mais antigos contam que, no passado remoto, moradores colocavam luzes em chifres de animais para enganar os navegantes. Iludidos pela iluminação traiçoeira, naufragavam, deixando a carga livre para o saque.
Há um descompasso entre o volume e a proximidade das falas e dos movimentos com a distância da câmara. Como se, apesar de minúsculas, aquelas pessoas conseguissem se impor à hostilidade do ambiente.
Alguns podem achar o filme lento. É mesmo. Mas é deleite. Imagens com poesia.