Crítica - História
Obra traça com destreza evolução dos mapas
Autor americano explica em detalhes a relação entre a criação dos atlas e as principais correntes da geopolítica
O mapa não é o território, dizia o filósofo americano Alfred Korzybski (1879-1950), para enfatizar a diferença que existe entre modelos abstratos da realidade e o "mundo real" propriamente dito. A frase vale para muitos contextos, mas é especialmente adequada quando usada no sentido literal, para se referir a mapas do mundo.
Esse, na verdade, pode ser considerado o mote do enciclopédico livro "Uma História do Mundo em Doze Mapas", de Jerry Brotton, professor da Universidade Queen Mary de Londres.
A especialidade de Brotton é a cartografia do Renascimento, mas ele consegue passear com igual destreza da Babilônia antiga aos escritórios do Google, mostrando as conexões que existem entre a evolução dos mapas e a dos "modelos do mundo" --mesmo quando o interesse dos criadores de atlas é apresentar suas obras como representações objetivas da realidade.
Isso pode ser feito de formas mais sutis ou pesando a mão. Não surpreende muito que diversos mapas medievais coloquem Jerusalém no centro do mundo, por exemplo --o interesse de seus criadores era o drama teológico da Salvação, e não tanto informações geográficas precisas.
Mais complicada politicamente é a história de como a América ganhou esse nome ao longo do século 16. Aparentemente, os cartógrafos do norte da Europa queriam evitar referências a impérios (do tipo "Nova Espanha") ou termos religiosos (como "Terra de Santa Cruz"), e batizar o continente com o nome de Américo Vespúcio (1454-1512), que desembarcou por aqui algumas vezes, parecia a opção menos controversa.
NORTE OU LESTE?
A relação entre a criação de mapas e as principais correntes da história geopolítica, econômica e cultural são explicadas em detalhes na obra, mas boa parte de seu atrativo vem de elementos mais concretos desses objetos.
A simples ideia de projetar numa superfície plana a estrutura esférica da Terra (ao contrário do que muita gente acredita hoje, quase todo mundo na Antiguidade e na Idade Média já sabia que "a Terra é redonda") não tem nada de óbvio, e foi uma dor de cabeça secular para matemáticos, astrônomos e geógrafos.
Outro detalhe aparentemente bobo: a ideia de que o norte fica "para cima" nos mapas apareceu tardiamente, também na época do Renascimento --muitos povos achavam mais natural orientar (literalmente) seus mapas com o leste, ou Oriente, no topo.
Analisando o futuro da cartografia na era do Google Earth, Brotton também avalia com perspicácia como as imagens de satélite trazem seus próprios problemas, como a questão da privacidade e o tipo de detalhe que os desenvolvedores acham relevante incluir ou não em suas versões digitais da superfície do globo.