Crítica teatro/drama
Cenário original torna o texto coadjuvante
Peça em cartaz no Sesc Santo Amaro, em São Paulo, é encenada em uma estrutura de andaimes que se move
Tradicionalmente, no teatro, espetáculos são criados a partir de textos; há casos, também, em que o texto deriva de improvisos, de depoimentos, da cena portanto.
E "Poema Suspenso para uma Cidade em Queda", da Cia. Mungunzá, em cartaz no Sesc Santo Amaro, em São Paulo, tem interferência fundamental de uma concepção cenográfica sobre todo o resto do conjunto; o deslocamento pelo espaço é o que propõe toda a dinâmica dramatúrgica, o que torna este trabalho muito especial.
Com direção de Luiz Fernando Marques, a peça é encenada em uma estrutura de andaimes que se move por uma sala vazia, gira, com os intérpretes atuando mecanicamente sobre todo o seu peso. Não há motor, há apenas a força de braços dando o impulso necessário a uma criação coreográfica. O cenário remete ao desenho de um edifício, e o trânsito de atores por entre os apartamentos, módulos vazados, vai moldando inclusive a expressão corporal dos intérpretes.
A operação, visivelmente difícil para o elenco, dá cor a histórias múltiplas. O mosaico de vidas se vincula à imagem, apresentada no início e no fim do espetáculo, de um corpo em queda, mas que nunca atinge o chão. Os diálogos e monólogos se desenvolvem a partir desta mesma sensação, de que a extensão do tempo contém o absurdo de não poder se subdividir efetivamente ao infinito: enquanto corre, inesgotável, o tempo se torna estático, paralisado.
Os desdobramentos de figurações fantásticas na obra são vários: há, por exemplo, a figura de uma mulher que permanece grávida por anos e anos; ouve-se apenas o choro distante de uma criança, mas nada nasce dali, como se o excesso de acontecimentos houvesse se tornado ele próprio infértil.
Rica, a experimentação proposta também torna aparente sua hierarquia estrutural, talvez em demasia. O cenário, com sua força extraordinária, não evita a criação de uma ordem vertical entre os elementos teatrais.
Talvez nem fosse o caso de evitar fazê-lo, mas ficamos da plateia, com a sensação de que o texto tornou-se coadjuvante naquele sistema de vulto absolutamente original. As interpretações e o trabalho de ator também, mas em menor medida.
Mas é interessante, neste caso, notar como a própria falta de domínio do elenco em fazer com que a estrutura se mova com graça produz uma expressividade específica. O risco, sempre iminente, é o de transformar a peça em um jogo de amarelinha, todo lógico e geométrico, quando parece propor algo orgânico. As variações são inúmeras e, com certeza, podem mudar durante a temporada.
POEMA SUSPENSO PARA UMA CIDADE EM QUEDA
QUANDO qui. a sáb., às 21h, dom., às 19h; até 30/8
ONDE Sesc Santo Amaro - sala multiuso, r. Amador Bueno, 505, tel. (11) 5541-4000
QUANTO R$ 6 a R$ 20
AVALIAÇÃO bom