A ruidosa estreia de "Julius Caesar" na segunda-feira (12), em que o general romano assassinado é caracterizado como o atual presidente dos EUA, não foi a abertura da temporada Trump em Nova York –aguardada desde a virada do ano, quando foram anunciadas produções como "1984" e "Um Inimigo do Povo" para a Broadway.
Um dia antes, estreou na cidade a sátira política "Faust 3: The Turd Coming, or The Fart of the Deal", que faz trocadilho com "monte de merda" e "peido". Apesar do título, recorre a trechos dos originais de Goethe, da Bíblia e de peças de Heiner Müller e de Shakespeare para retratar o acordo entre o povo e seu governante escolhido, que termina em guerra nuclear.
Antes ainda, na última semana de maio, estreou "Building the Wall", escrita por Robert Schenkkan, dramaturgo já premiado com o Tony e o Pulitzer de teatro. Numa distopia próxima, depois que um atentado em Nova York leva Trump a prender muçulmanos e mexicanos e à sua queda, um de seus agentes de segurança, preso, conversa com uma historiadora.
O novo crítico do "New York Times", Jesse Green, não gostou muito nem de "Julius Caesar" nem de "Building the Wall". E não foi ver "Faust 3".
Green escreveu que o paralelo com Donald Trump confunde a tragédia shakespeariana, que não apresenta Júlio César como vilão, e que o novo texto de Schenkkan, criado às pressas, é fraco nos diálogos e nos conflitos.
As três são peças off-Broadway, em salas distantes do distrito teatral de Nova York. O grande teste para a temporada Trump, "1984", estreia na próxima quinta (22) no teatro Hudson, a uma quadra da Times Square.
Tom Sturridge faz Winston, o burocrata que se rebela contra o Grande Irmão, e Olivia Wilde é Julia, seu amor proibido.
GRANDE IRMÃO
Quando a adaptação do romance de George Orwell foi criada no Reino Unido, há quatro anos, não havia nem sequer a perspectiva de um presidente Trump nos EUA.
Seu maior paralelo foi então com Chelsea Manning. Os diretores Robert Icke e Duncan Macmillan ensaiavam quando a jovem soldado, que havia vazado dados ao WikiLeaks, disse ao juiz antes de ser condenada: "Como é que eu, analista júnior, pude um dia acreditar que poderia mudar o mundo me sobrepondo às decisões daqueles com autoridade?".
As palavras ecoam o final do livro, sobre o torturado Winston: "A luta acabou. Ele definitivamente tinha vencido a si mesmo. Ele amava o Grande Irmão". A adaptação de Icke e Macmillan se inspirou em parte –e assumidamente– em Manning.
A peça estreou no teatro Almeida seis meses depois, em 2014, e se tornou fenômeno londrino. Vista então, sua maior novidade foi absorver na trama o apêndice "Os Princípios da Novafala", como uma discussão acadêmica sobre o próprio romance, entremeada a ele, mas mais de meio século no futuro.
Diferentemente de Manning e da própria distopia de Orwell, a peça abre a possibilidade de um final feliz, por assim dizer, para a democracia e as liberdades.
Para a estreia na Broadway, foi mantida toda a equipe de criação, da dupla de diretores-adaptadores aos responsáveis por cenário, figurinos, iluminação, trilha sonora e vídeo. Mas mudou o elenco, agora hollywoodiano, e ressaltaram-se os vínculos com Trump, inclusive num comercial do espetáculo com a imagem do atual presidente e a frase "Guerra é paz".
Na temporada Trump, a outra versão de espetáculo europeu já anunciada, para o final deste ano na Broadway, é "Um Inimigo do Povo", de Ibsen, adaptado e dirigido pelo alemão Thomas Ostermeier para o teatro Schaubühne, de Berlim.
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"Inimigo do povo" foi como Trump se referiu ao jornalismo já nas primeiras semanas de seu governo, em fevereiro. A decisão de produzir o mesmo espetáculo em inglês veio logo em seguida.
Essa montagem da peça de Ibsen, sobre um médico que faz uma revelação que prejudica sua cidade turística e é atacado por isso, foi apresentada em Nova York e em São Paulo há quatro anos. Vista aqui, chamou a atenção pelo novo discurso de Stockman, o "inimigo", acrescentado pela direção e abertamente anticapitalista –e que deve mudar para a Broadway.
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