Após 17 anos, grandes obras no largo da Batata entram na reta final
Circular pela região do largo da Batata, em Pinheiros, é como andar em um labirinto mutante.
Desde que começaram as obras de requalificação da região, em 2007, as direções e orientações do trânsito mudam sem parar, os pontos e as linhas de ônibus foram trocados e as ruas estão ora abertas, ora fechadas com tapumes. Quem vive ou passa por ali já se acostumou com caminhões, escavadeiras e caçambas.
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O alívio está próximo. Até dezembro, deve ficar pronto o terminal intermodal ao lado da estação Pinheiros do metrô e da CPTM, que vai reunir 27 linhas de ônibus e atender por dia 80 mil pessoas.
Também devem ser entregues os melhoramentos na av. Faria Lima, como ciclovia e reforma das calçadas. Para 2013, a finalização do largo da Batata e do entorno do terminal, onde ruas serão alargadas.
Nos últimos anos, a região já mudou bastante. Foram inauguradas duas estações de metrô, a Faria Lima, em 2010, e a Pinheiros, um ano depois. O comércio popular vai murchando com as obras e com a falta dos clientes que desciam dos ônibus que tinham ponto final ali. Os camelôs foram removidos definitivamente pela prefeitura. Na paisagem, novos empreendimentos residenciais e comerciais.
A requalificação dessa área, que vai consumir R$ 297 milhões, faz parte da Operação Urbana Faria Lima, criada em 1995, na gestão Paulo Maluf (então PPB), para transformar a região em polo de escritórios. Foi por meio dela que a Faria Lima se expandiu e os túneis Cidade Jardim e Rebouças nasceram. As obras são tocadas com recursos obtidos com a venda, para empresas, do direito de construir além do permitido na lei de zoneamento.
O mecanismo, no entanto, é alvo de críticas. Na visão de urbanistas, além de priorizar obras viárias e estimular o uso do carro, a ação criou uma dinâmica de supervalorização dos imóveis, o que expulsou a população mais pobre, aumentando as desigualdades na cidade. Também gerou outro desequilíbrio: hoje, a oferta de empregos é muito maior do que a de moradia.
Essa última consequência deve ser corrigida, ainda que parcialmente, com a liberação de novos prédios de apartamentos dentro da área da operação, que inclui bairros como Vila Olímpia. No mês passado, a prefeitura conseguiu aval da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) para emitir mais Cepacs, os tais títulos que permitirão o mercado imobiliário construir prédios por ali.
Outra crítica encampada por especialistas, assim como comerciantes e moradores, é que as obras de requalificação, previstas desde 1995, começaram muito tarde. O investimento na urbanização das favelas inclusas na operação só foi iniciada em 2010, com as obras no Real Parque, no Morumbi. Até agora, 377 das 1.135 unidades a serem construídas lá foram entregues.
A requalificação do largo da Batata teve seu primeiro projeto concluído em 2001. O quebra-quebra começou no fim de 2007, com a demolição de imóveis desapropriados. Mas a entrega das obras foi prolongada por vários motivos, entre eles o acidente na estação Pinheiros, também em 2007. A conclusão será só no ano que vem.
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MUDANÇA DE PERFIL
A região próxima às ruas Martim Carrasco, Fernão Dias e Teodoro Sampaio é conhecida como largo da Batata desde o final dos anos 1920. Nessa época, agricultores do interior passaram a vender produtos ao ar livre no local que depois viria a ser o mercado de Pinheiros. As batatas eram comercializadas por imigrantes japoneses, que mais tarde criaram ali a Cooperativa Agrícola de Cotia. O entorno tinha pequenos sobrados e comércios.
O largo foi ponto de distribuição de frutas e verduras até os anos 70, quando a cooperativa começou a ter problemas financeiros. Em 1994, foi fechada. Nessa mesma época, chegaram camelôs e lojas populares. Mas, há cerca de um ano, o cheiro de churrasquinho e o burburinho do comércio cederam ao ruído e à poeira das obras.
Os moradores e comerciantes reclamam dos transtornos e da falta de diálogo com a prefeitura. Arthur Macedo, 27, trabalha desde a adolescência na Pesca Pinheiros, loja criada em 1977 pelo avô no largo. Segundo ele, o bate-bate das britadeiras e o impedimento da passagem na rua diminuíram o movimento pela metade. "Ninguém veio explicar o que estava acontecendo. Agora tem que ficar bom, depois de toda essa confusão", diz.
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A transferência das paradas finais dos ônibus do largo para ruas do entorno somada à valorização da região já afasta os comerciantes. O público das lojas minguou e os aluguéis subiram. Estabelecimentos tradicionais, como a tabacaria Polimeno, que funcionava ali havia 68 anos, foram embora.
Arthur Macedo, da Pesca Pinheiros, conta que a família já tem diversas propostas para vender a loja, cujo ponto ficará bem na saída da estação Faria Lima quando as obras terminarem.
Segundo a Embraesp (Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio), o metro quadrado residencial na região custa em média R$ 12,5 mil. Em 2006, eram R$ 3.600 –valorização de 247%, sem descontar a inflação. No período, o valor médio na cidade toda subiu de R$ 3.989 para R$ 9.252, alta de 132%.
Diversos empreendimentos comerciais e residenciais estão em construção no entorno. Especula-se que um shopping será erguido no terreno ao lado da estação Faria Lima. O Grupo VR, dono da área, não confirma.
DESEQUILÍBRIOS
Outra desvantagem da operação urbana é o desequilíbrio entre moradia e comércio que foi gerado nos bairros Itaim Bibi e Vila Olímpia e que pode se repetir em Pinheiros.
"A região vai perdendo cada vez mais o uso residencial. De dia fica um monte de gente que não mora lá e à noite parece um lugar abandonado", diz a geógrafa Ana Fani Alessandri Carlos, da USP.
Até agora, as áreas comerciais no perímetro da operação se mostraram as mais interessantes para o mercado. Do estoque de metros quadrados para construção de prédios de escritórios, 80% já foram vendidos, enquanto apenas 34% do previsto para residenciais foram consumidos.
De acordo com Luiz Paulo Pompéia, diretor de estudos especiais da Embraesp, o mercado tem muito interesse no estoque residencial, já que entre Itaim Bibi e Vila Olímpia o metro quadrado residencial varia de R$ 15 mil a R$ 18 mil.
Ricardo Yazbek, representante do Secovi (sindicato do setor imobiliário), diz que o interesse já se estende para o largo da Batata. "O trânsito inibe um pouco a moradia, mas a região tem estrutura, proximidade com a marginal, ciclovia, mercado. Continua propícia para residências", diz.
Tuca Vieira/Folhapress | ||
Após 17 anos do início da operação urbana, grandes obras no largo da Batata (zona oeste) chegam à reta final |
Priorizar obras viárias, concentrar investimentos em uma só região, destinar fatia insuficiente dos recursos para habitação social e melhoria dos espaços públicos são as outras críticas à operação Faria Lima.
"A operação serviu para financiar a construção do sistema viário. A maioria dos recursos foi para o automóvel, o que só gera mais trânsito. Uma nova centralidade empresarial foi criada, mas sem espaços públicos de qualidade para as pessoas", diz a urbanista Nadia Somekh, do Mackenzie.
Para o urbanista João Whitaker, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, as operações urbanas não fazem a cidade ficar melhor. "Não é um instrumento que gera uma reforma urbana democrática. Ela só ocorre onde há interesse do mercado. E para a área ficar interessante para o mercado é preciso um conjunto de obras anteriores, com recursos públicos", diz.
Whitaker se refere ao túnel Jânio Quadros, que passa embaixo do rio Pinheiros, e ao túnel Ayrton Senna, sob o parque Ibirapuera. Ambos entraram em funcionamento em 1994 e 95, respectivamente, na gestão Maluf, antes de a operação ser aprovada. "A criação desse corredor da avenida Juscelino Kubitschek até a 23 de Maio tornou a intersecção da JK com Faria Lima a região mais valorizada da cidade."
Vladir Bartalini, da SPUrbanismo, órgão da prefeitura, reconhece que o foco esteve por muitos anos nas obras viárias (leia à pág. 26). Mas defende que essa fase ficou para trás. "Acho que estamos num processo de refinamento. Não é só mais pegar dinheiro pra fazer uma ponte."