V de Vovó: Conheça senhoras com mais de 70 anos que foram às ruas para protestar
Vale a pena protestar! Se eu pudesse, faria uma feijoada caprichada e um bolo de chocolate enorme para essa garotada ficar fortinha", diz Palmirinha Onofre, durante o intervalo das gravações de seu programa no canal Bem Simples, da Fox.
Aos 82 anos, a cozinheira e apresentadora se especializou num novo ofício: virou ativista. Tornou-se, também, uma das "vovós" que desfiaram novelos (e não os de lã) contra a repressão policial nos protestos que sacudiram São Paulo nos últimos dias.
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Na semana passada, duas fotos de Palmirinha circularam pela internet. Na primeira, carregava o seguinte cartaz: "Bandeira branca. Mais amor, por favor". Era verdadeira.
Na segunda imagem, lia-se: "Nasci em 1931. Vi duas guerras mudiais [sic], sobrevivi durante a ditadura. Acreditem --não é só por 20 centavos".
Essa era falsa. Ela, contudo, gostou tanto que endossou a montagem apócrifa. "Filhinho, não foram duas guerras, mas vi muita coisa nessa vida."
No ar há mais de 20 anos, Palmirinha assume não ser afeita a protestos. Nem por isso, diz, deixou de defender causas na TV, com suas "amiguinhas" telespectadoras. "Fui contra agressão a mulheres, crianças, contra a corrupção e a violência policial."
Com a voz trêmula, conta que foi agredida durante anos pelo ex-marido, que chegava bêbado e "sempre descia o pau". Na ditadura, perdeu um amigo. "Não vou dizer quem é, mas o amava muito. Ele apanhou, foi preso e desapareceu pra sempre."
Se pudesse ir às ruas (acha que está velha para isso), Palmirinha pediria mais vagas em hospitais para idosos, além de ônibus e trens especiais para quem tem dificuldades de locomoção. "E paz na Terra, que é importante."
'E QUEM PAGA?'
A aposentada Marita Ferreira, 82, fez questão de participar da manifestação da segunda-feira passada, no largo da Batata (zona oeste). Com flor na lapela e uma placa que dizia "não vim para brincar, vim manifestar", saiu de mãos dadas com o filho e o neto.
Cantou, dançou, ganhou flores, tirou fotos, ficou famosa no Facebook e --acredita-- cumpriu seu papel. "Fui para gritar por igualdade."
No passado, a mãe sofria com seu espírito "moderno". "Tinha uma fábrica de macarrão na frente do meu trabalho. Ninguém se misturava com as 'moças do macarrão'. Mas eu e minha amiga íamos sempre aproveitar as festas com elas. Quando voltava, tarde da noite, minha mãe batia na gente."
Nos carnavais dos anos 1950, ela desfilava nos blocos das prostitutas. "Eu não era [uma delas], mas me misturava." Por quê? "Porque todo mundo é igual. E sempre será."
Para Marita, a reivindicação pelo transporte público barato e eficiente é legítima. "Eu sou do povão, uso ônibus sempre. Mas sou aposentada, não pago. E quem paga, como fica?"
TIA DOS 'NOIAS'
Caçula do trio, a assistente social Tina Galvão, 70, é a mais experiente: calcula ter participado de mais de 80 protestos ao longo da vida.
"Começou na faculdade, quando estourou a ditadura. Nós tiramos todos os livros da biblioteca. Coloquei tudo no carro e joguei no rio Tietê. Nem olhei pro lado de tanto medo." Motivo: livros "de esquerda" traziam consigo os nomes de quem os havia emprestado, facilitando a identificação dos "inimigos do regime".
Tina já marcou presença numa marcha pró-maconha, nos anos 1980 ("não fumava, mas apoiava"), trabalhou com o sociológo Betinho (1935-1997) na Ação da Cidadania, protestou pelos direitos de moradores de rua e convenceu o padre da igreja de Santa Cecília a ceder o salão para a organização de um encontro gay há 30 anos.
Na terça passada, Tina se juntou à manifestação da praça da Sé. Irritou-se com as meninas que circulavam com o rosto pintado de verde-amarelo.
"Eu disse: 'Vocês estão muito bonitinhas, mas isso aqui é sério'. Elas davam risada, e eu falava: 'É verdade, meninas'."
Há poucos meses, a assistente fundou o grupo Aquele Abraço, que se dedica a apoiar os usuários de crack da região da Luz, no Centro. Uma vez por semana, circula pela região distribuindo abraços nos "noias".
Para o próximo sábado, Tina está organizando a primeira festa junina na cracolândia. "As pessoas que frequentam são gente boa como a gente."